José António Moreira, OBEGEF

Não basta ter uma fatura na mão para se ter cumprido o dever cívico de exigência de registo da transação

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Uma das maiores dificuldades no estudo da fraude, e por maioria de razão no seu combate, reside no facto de ser difícil encontrar padrões de comportamento constantes no tempo. É, por excelência, um domínio em que a inovação é constante. Descoberto um tipo de fraude, no momento seguinte ele é alterado, sendo substituído por uma variante, num círculo vicioso de fraude, inovação, fraude, inovação ...

Porventura acorreram à mente do(a) leitor(a), de imediato, imagens de triangulações de operações, passando por paraísos fiscais, entrando em contas sem nome, saindo para bancos acima de qualquer suspeita.

O caso descrito nesta crónica não tem esses contornos complexos e difusos. Está relacionado com subfacturação de serviços, em transações objeto de emissão de fatura. Parece confuso, mas não é.

A obtenção de algumas fotos tipo passe levou o A. ao centro comercial. Descoberta a loja de artigos fotográficos que prestava tal serviço, o resto foi simples. Sentou-se no banco e segundos depois estava a ver a foto de uma cara gordinha, o cabelo a rarear na cabeça, um sorriso tipo Monalisa. A sua cara.

Dos pacotes que lhe propuseram, escolheu um que custava 10 euros, oferecendo um número de fotos que, provavelmente, será suficiente para as necessidades previsíveis das próximas dezenas de anos.

Ao levantar as fotos, pagou com uma nota do referido montante, e aguardou. Quando a funcionária verificou que ele ficara à espera, perguntou-lhe se queria fatura com número de contribuinte, ao que ele anuiu.

Entregou-lha a fatura dobrada, acompanhada de um sorriso. O A. meteu-a ao bolso e deixou a loja, apressado. E este teria sido o fim da história se ele não tivesse o costume de, no fim de cada dia, organizar os documentos recolhidos.

Foi um acaso. Ao olhar para fatura verificou que a mesma tinha sido emitida por 5 euros. No descritivo, referia-se que o valor do serviço era de 10 euros, mas que a este tinha sido abatido um “desconto” de 5 euros. Como o valor do IVA, e o próprio lucro da empresa, são calculados sobre o valor das vendas líquido de descontos, o “truque” tinha rendido à empresa, a expensas do Estado, a importância de 1,79 euros.

Soma irrisória, pensará o(a) leitor(a), habituado às grandes fraudes. Tem razão, se se pensar que apenas aquela transação sofrera tal tratamento. Porém, com contas simples, admitindo que a loja faz vendas diárias de 1000 euros, e que aplica o mesmo rácio de subfacturação a todas elas, tal proveito fraudulento sobe para 179,0 euros por dia. E se o repetirem em 200 dias dos 365 do ano, então o efeito da fraude fiscal passa a ser de 35800 euros.

O que esta empresa fez foi inovar na tradição de não emissão de fatura. Agora, porque a generalidade dos clientes pede fatura, mas cada um tem horror a papéis e tudo o que sejam contas, o “truque” de inserção de descontos na faturação, permite tranquilizar a consciência daqueles quanto ao cumprimento do dever cívico de pedido de comprovativo, e permite à empresa prosseguir a senda da fraude fiscal por subfacturação. É caso para dizer que se trata de uma inovação que deixa, todos os intervenientes, tranquilos e felizes.

O fim da história. O A. enviou um email no próprio dia, já noite avançada, a pedir explicações para o caso. A resposta chegou minutos depois e dizia (sic) “…a colega enganou-se no registo. Fatura vai ser anulada vamos processar  uma nova fatura. Fica guardada aqui na loja para poder vir levanta-la as nossas desculpas.”

Moral da história: não basta ter uma fatura na mão para que um cidadão possa assegurar ter cumprido o dever cívico de exigência de registo da transação.