José António Moreira, OBEGEF

No caso do jogo proposto pelo banco o menor risco de perda é contrabalançado com um menor retorno

“Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”, conforme consta do Art.º 1º do DL n.º 422/89, de 2 de dezembro, que reformula a denominada “lei do jogo”. Acresce, nos termos do Art.º 6º, que “o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado, que o pode ceder a terceiros [os casinos] mediante concessão”.

Consulta-se o DL n.º Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, que contém o Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, e conclui-se, igualmente, que o Estado reserva para si o direito de exploração de tais jogos, podendo concessioná-lo, por concurso, a entidades terceiras.

Pode concluir-se, portanto, que só as entidades que ganhem tais concessões podem explorar a atividade do jogo em Portugal. Ou seja, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, os casinos existentes e as entidades que ganhem os concursos para os jogos online, a terem lugar brevemente.

Neste contexto, não se percebe onde cabem os bancos portugueses na exploração de jogos, pois aparentemente não têm autorização legal para o fazerem. Veja-se a prova do exercício dessa atividade, a partir da transcrição de mensagem enviada por um banco aos seus clientes:

“Venho por este meio dar-lhe a conhecer o Depósito indexado “CAIXA CABAZ SUSTENTÁVEL MAIO 2017_PFC”, pelo prazo de 2 anos, não mobilizável antecipadamente, cuja remuneração paga na maturidade, está condicionada pela rentabilidade de 5 ações – Iberdrola, Kellogg, Visa, Colgate e General Electric.

Remuneração: A remuneração sobre o montante depositado será variável e paga na data de vencimento, com um mínimo de 0,0% e um máximo de 2,068%, estando condicionada pela rentabilidade dessas ações nos seguintes termos:

  • Se a cotação de todas as ações subir 10% ou mais no período, TANB 2,068%;
  • Se a cotação de todas as ações subir 5% ou mais no período, TANB 1,551%;
  • Se a cotação de todas as ações subir 0% ou mais no período, TANB 1,034%;
  • Se a cotação de todas as ações baixar 5% ou menos no período, TANB 0,517%;
  • Em qualquer outra conjugação de variações, TANB 0%.”

 

Não é um jogo de aposta? É com certeza. Veja-se a definição de jogo acima apresentada e o modo como encaixa na perfeição no “produto” proposto, que assenta na sorte e na baixa probabilidade de que todas as ações evoluam no mesmo sentido.

Ainda há dúvida?! Substitua-se, por exemplo, “ação” por “cavalo”, e pense-se em corridas num qualquer hipódromo. A situação de jogo é agora ainda mais visível. E não se use como argumento para negar que se trata de um jogo o facto do cliente bancário não perder o capital “investido”. É verdade que não perde. Porém, quando está presente o risco de perda do capital, como no jogo de apostas hípicas usado como exemplo, a remuneração em caso de ganho é bem mais choruda que a (residual) oferecida pelo banco. Ou seja, tendo em consideração a relação risco-retorno, no caso do jogo proposto pelo banco o menor risco de perda é contrabalançado com um menor retorno. A Teoria Financeira a funcionar em pleno.

Bem, seja-se rigoroso. Há uma diferença a assinalar entre o jogo proposto pelo banco e o jogo de apostas hípicas usado como ilustração. Neste último, o apostador não é obrigado a saber as regras do jogo, pois ninguém lhe vai pedir que tal demonstre ou confirme. Basta ter dinheiro para apostar. No primeiro caso, o cliente também não tem de conhecer o modo de funcionamento, mas vai ter de assinar declaração de muitas páginas de letra miúda para atestar que conhece o jogo e riscos que vai assumir. Assina, sem ler, claro. Para sossegar o sistema. Daí não vem mal ao mundo. No entanto, seria mais correto se a dita declaração contivesse apenas duas linhas de texto, em que o signatário atestasse conhecer as orações necessárias para pedir aos deuses que lhe propiciem um desfecho favorável na “roleta das ações”.