António João Maia, Diário Económico
Temos cada vez mais de ser capazes de escapar à tentação de tomar tudo e todos pelo mesmo óculo da desconfiança
Nunca como no presente se terá dito e escrito tanto sobre corrupção. E o sentido da mensagem, e sobretudo da percepção social que ela vai alimentando, é invariavelmente o mesmo – a corrupção é um problema generalizado no funcionamento do Estado, tanto a nível político, como a nível dos serviços públicos.
Quanto ao problema, e independentemente do discurso mediático que dele se faça, importa ter presente que, no essencial, os actos de corrupção traduzem atitudes egoístas por parte daqueles que os praticam. Os interesses particulares sobrepõem-se ao interesse geral, com efeitos perversos de redução da credibilidade das instituições, e, no limite, das próprias relações sociais entre as pessoas. A corrupção é um factor gerador de desconfiança social. Por isso é importante despistar os casos ocorridos e punir os seus autores.
Mas uma coisa é a percepção que as pessoas têm sobre a questão, e que em grande medida resulta do referido discurso mediático, e outra, porventura diferente, será a realidade efectiva do problema, a expressão e as formas que ele realmente apresenta. E, neste ponto, talvez estejamos perante duas realidades acerca da mesma questão. Por um lado a dimensão do problema que é estimada pela percepção social – a corrupção é um problema generalizado no funcionamento do Estado e das instituições – e, por outro lado, a sua dimensão real e efectiva, traduzida pelo número de casos que ocorrem.
Independentemente da maior ou menor proximidade destas realidades e sem afastar a possibilidade da existência de casos concretos de corrupção – tal como sucede um pouco por todo o mundo – a verdade é que o actual contexto do problema mostra-se perverso ao colocar tudo e todos sob suspeição. Com pouca informação e uma pontinha de inveja, o simples facto de o meu vizinho comprar um carro novo ou fazer férias no estrangeiro, ou a promoção do meu colega de trabalho, é facilmente olhado como o resultado de um “esquema”, e menos como fruto dos seus méritos pessoais e profissionais.
A solução para este quadro passará muito pela introdução de instrumentos de transparência nas organizações e na vida pública, que expliquem e permitam perceber, de modo simples e claro, as suas acções, os caminhos e as opções seguidas e o que as motivou. As novas tecnologias apresentam um grande potencial de utilidade neste âmbito.
É certo que já existem instrumentos com estes propósitos. Todavia, também neste processo, o elemento central passa, uma vez mais, pela atitude das pessoas. Temos cada vez mais de ser capazes de escapar à tentação de tomar tudo e todos pelo mesmo óculo da desconfiança. Tal como qualquer processo relacional, a transparência só se tornará efectiva quando for assumida do mesmo modo por aqueles que a mostram e por aqueles que a queiram ver.