, Visão on line,

há muitas políticas e estratégias possíveis para combater a corrupção

...

Ninguém disputa que Portugal tem um problema de corrupção. Não é o único país do mundo que o tem e está muito longe de ser o pior. Mas é um problema sério, que atrasa o nosso desenvolvimento, afeta a competitividade e eficiência do nosso sector público e privado, e erode a nossa confiança nas instituições, na política, na democracia e uns nos outros.

Discutem-se muito casos de corrupção, nos seus detalhes mais sórdidos, mas pouco se fala de soluções para o problema. Regozijamos-mos com as investigações sobre este ou a prisão daquele, como se estas fosse sinal de que estamos a ganhar a guerra, ou como se o combate à corrupção se limitasse à imposição de sanções criminais.

Um sinal da visão restrita que temos cada do problema da corrupção é que a cada par de anos, surgem estudos e relatórios – como os do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO), do Conselho Europa – que sugerem a implementação de dezenas de diferentes políticas (muitas das quais ignoradas). E, no entanto, talvez a única ideia amplamente discutida como solução para o combate à corrupção seja a polémica criminalização do enriquecimento ilícito.

É importante que haja consequências criminais para os que forem considerados culpados de crimes de corrupção e que a criminalidade económica não fique impune. O desfecho de alguns casos mediáticos pode mesmo ser veículo de uma poderosa mensagem dissuasora. Mas a corrupção não se combate simplesmente com investigações e penas de prisão.

Muito mais raro é ouvir-se dizer que temos um problema de governança, embora isso seja igualmente verdade. A corrupção é uma de múltiplas patologias de sistemas de governança deficientes. No caso da corrupção política – provavelmente aquela que mais preocupa os cidadãos – talvez possamos dizer que ela floresce particularmente quando um cargo associa a) o poder de tomar decisões de forma autónoma, b) uma falta de alinhamento entre interesse próprio (ou outros interesses privados) e interesse público, e c) uma falta de acesso informação. O poder cria os meios, os incentivos para agir em interesse próprio conferem os motivos, e as assimetrias de informação as oportunidades ideais para a corrupção.

Estes meios, motivos e oportunidades são moldadas pelo sistema de governança em que cada político se insere e do qual todos fazem parte. Ficamos com uma boa ideia de como funciona um sistema de governança referindo os poderes são confiados aos diferentes órgãos e agentes, os atores a quem estes prestas contas e as consequências positivas ou negativas em que incorrem conforme o julgamento que é feito na sequência desta prestação de contas. Mudando as regras do jogo mudam também os meios, incentivos e oportunidades para a corrupção, mas também para outras patologias políticas, como a tirania, a fuga a culpa, a indolência ou a incompetência.

Assim, haverá sempre um nível de discricionariedade associado aos cargos políticos. Mas se definirmos regras mais claras para a contratação pública, limites a intervenção pública em certas matérias, ou critérios para a atuação política diminuímos os meios de que os agentes políticos dispõem para tomar decisões que os beneficiem a si ou à sua clique.

Do mesmo modo, será sempre impossível atingir perfeita harmonia entre interesse público e interesse próprio – especialmente se um suborno estiver em cima da mesa, já que o público não pode simplesmente dizer “eu dou mais”. Mas quando aplicamos sanções criminais de forma justa, ou quando pagamos de forma conveniente aos nossos servidores políticos, ou quando evitamos conflitos de interesses e combatemos a sua dependência de terceiros (tais como grupos que apoiam campanhas eleitorais) alinhamos interesses e diminuímos a motivação para os políticos deixarem de fazer a coisa certa.

E quando aumentamos a transparência dos planos, ações e resultados das políticas públicas, criamos vias seguras para denúncias e mantemos uma comunicação social ativa e independente podemos não estar anular por completo as assimetrias de informação a coberto das quais se desenvolve a corrupção, mas contribuímos para que as oportunidades para a corrupção sejam bem menores.

Um sistema político competitivo – em que o sucesso eleitoral não está garantido à partida, mas é apenas consequência de um bom desempenho – é por regra também importante para manter quem está no poder interessado em prosseguir o interesse público e a oposição motivada em escrutinar o trabalho dos executivos. Uma democracia participativa é fundamental para que políticos e cidadãos tomem decisões informadas relativamente ao rumo da comunidade e para que as eleições funcionem como mecanismo de seleção de bons políticos. Campanhas de consciencialização cívica podem ajudar a mobilizar a população a apoiar os esforços de combate à corrupção e permitir a interiorização de normas de imparcialidade e integridade junto das novas gerações de líderes. A expansão dos mecanismos de freios contrapesos, implícitos ao nosso sistema de separação e interdependência de poderes, pode aumentar o escrutínio de um poderes sobre os outros, diminuir a capacidade de certos órgãos ou agentes tomarem decisões sozinhos, ou mesmo reforçar os mecanismos sancionatórios existentes. E uma agência anticorrupção – uma medida brevemente discutida em Portugal em 2007 e 2008 mas rapidamente abandonada – pode ajudar a coordenar esforços em diversas áreas: da prevenção à repressão da corrupção.

Não estamos com isto a dizer que temos de retirar cegamente capacidade de decisão aos políticos, que a solução está em pagar-lhes salários milionários, ou que quem quiser ser político tem de aceitar como normal o fim da sua privacidade. Será sempre no interesse do povo que os políticos mantenham alguma discricionariedade, tolerar alguma não coincidência de interesses e que algumas matérias secretas ou privadas assim permaneçam. Excesso de competitividade pode desincentivar governos a tomar medidas impopulares mas importantes a longo prazo e a vontade de estimular a participação política pode levar-nos a soluções igualmente demagógicas. Enquanto que a expansão dos mecanismos de freios e contrapesos pode levar a situações de bloqueio dos sistema político difíceis de ultrapassar.

Mesmo quanto à criação de uma agência anticorrupção, décadas de experiência mostram-nos que há bons e maus exemplos. Em países como Singapura ou Hong Kong, estas agências foram talvez os principais responsáveis pelo sucesso das respetivas estratégias de combate à corrupção. Mas se não são colocados meios humanos e técnicos à altura da missão destas agências; se não se assegura a sua integridade, independência e transparência; então estas podem descredibilizar os objetivos que procuram servir. Ou, pior ainda, tornar-se num instrumento inquisitorial de intimidação e perseguição de adversários políticos.

E isto é apenas a ponta do iceberg, há muitas políticas e estratégias possíveis para combater a corrupção e/ou melhorar a governança pública. Precisamos de começar a discutir – na imprensa, no parlamento, na universidade, na administração, nas empresas, nos cafés – quais as soluções que se adequam melhor ao nosso contexto.

A discussão pública sobre a corrupção e o seu combate tem de deixar de girar exclusivamente em torno dos casos mediáticos e das reações jurídico-penais ao fenómeno. Tem de ganhar maturidade e evoluir de modo a considerar diferentes formas de melhorarmos a nossa governança pública e os meios, incentivos e oportunidades que esta cria para a corrupção e para outras patologias políticas.