Carlos Pimenta, OBEGEF

É isto a “liberdade económica”, o sacrossanto funcionamento dos mercados?

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1. “O preço do azeite aumentou porque o petróleo aumentou”, disseram-me aquando da crise do petróleo em 1973. Então percebi que este também pertence ao mundo do simbólico e é um excelente pretexto quando há tensões inflacionistas.

Percebi, mais tarde, que esse poder simbólico era muito maior para aumentar os preços do combustível do que para o diminuir. Por detrás do pretexto estão homens, instituições e poderes capazes de encontrar falsas justificações públicas para acumulação de lucros.

Depois de ter estudado que o preço era determinado pela oferta e procura percebi que mesmo mantendo-se as proporções entre elas o preço varia significativamente. Aprendi então que o mercado de futuros pode balizar o preço presente e que naquele intervêm a especulação bolsista, as remunerações alternativas para o capital fictício, a assimetria da informação.

Porque a “liberdade” é uma palavra que nos encanta designam-se de “livres” os mercados, incluindo o do petróleo, onde muitas vezes a liberdade de viver condignamente acaba para muitos milhões de cidadãos. Se antes aprendi que a tal liberdade aconselha uma intervenção do Estado também rapidamente percebi quem nem só de justiça social e regulação o Estado vive, e que o petróleo pode ser utilizado como instrumento de guerra.

O petróleo é uma matéria-prima estruturante do funcionamento global e transversal da economia mas é intensamente analisado como um joguete conjuntural na contabilidade da especulação e de apropriação do rendimento alheio. Há sempre uma justificação quimérica para intoxicar os que acreditam no automatismo e lucidez dos mercados.

Pouco se enxerga e assim se autosustenta a ideologia do poder económico. Tudo se passa na face visível da economia, meticulosamente registada na contabilidade nacional. As operações no mercado negro, a profusa corrupção que se espalha no mercado petrolífero como mancha de óleo e as fraudes mais diversas, são traços profundos do funcionamento do mercado petrolífero mas cujas marcas são, cosmética ou repressivamente, eliminadas.

2. É com esta perplexidade e ignorância (depois de constatada uma reduzida oscilação entre a procura e oferta mundiais, segundo os dados da Agência Internacional da Energia) que parece-nos oportuno colocar algumas hipóteses de trabalho.

Não será que a actual expansão dos movimentos terroristas internacionais (Estado Islâmico e grupos e milícias várias), ocupando importantes posições geoestratégicas em áreas produtoras do petróleo está na base de muitas das oscilações do preço do petróleo? Essa influência resultaria de o crude ser uma das fontes de financiamento do movimento, transaccionando-se hoje num mercado negro, com a Turquia e Israel a serem compradores. Alguma da gasolina que consumimos no nosso carro pode ter essa origem sanguinolenta.

Alguns autores reconhecem que, para além da evolução dos mercados, “o factor que mais pesou nesta [evolução dos preços] foi a conjuntura geopolítica”. Será que “os Estados Unidos através da manipulação dos preços em baixa tentam asfixiar produtores como a Rússia, o Irão e a Venezuela para assim atingir de um só golpe a estratégia mundial dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) de comercializar petróleo numa moeda alternativa ao dólar e também o processo de independência política, económica e energética que se desenvolve através da América Latina” (Isham Khoury, in JSF)?

3. Uma coisa é certa. Com o contrabando do petróleo estreitaram-se as malhas entre a actividade lícita e a criminosa, entre a economia visível e a escondida, entre as empresas e a criminalidade.

Uma pergunta final: é isto a “liberdade económica”, o sacrossanto funcionamento dos mercados?

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