Carlos Pimenta, Visão,

“As grandes empresas não toleram pagar impostos. Aquelas que ainda os pagam consideram-se antiquadas”, (Guardian, Out/13).

...

O escândalo HSBC é mais uma explicitação da tendência das últimas décadas, silenciosa e dolorosa para a maioria dos cidadãos. Não é um acaso. Também outros bancos suíços promovem o transporte de notas por zonas fronteiriças, antecipadamente neutralizadas, contas fantasma em offshores ou complexos esquemas cruzados de branqueamento de fortunas.

Evitando repetir o que tem sido publicado, chamaria a atenção para algumas outras vertentes do acontecimento:

  • As revelações do ICIJ são mais uma demonstração inequívoca da imprescindibilidade da liberdade na procura de uma sociedade mais ética e justa.
  • O roubo dos ficheiros feito por Falciani foi em 2006! Após a sua prisão o governo francês “enviou cópias para todos os países com quem tem tratados de cooperação fiscal e que as solicitaram”. A importância dessa listagem era notória, quer pelo banco em causa quer porque figuras gradas do Estado francês apareceram envolvidos em escândalos. Como é que as autoridades portuguesas podem hoje mostrarem-se surpreendidas? Ou tiveram uma ignorância inadmissível ou esconderam-na. As presentes revelações confirmam a sua relevância.
  • É certo que muitas das fugas aos impostos, e de branqueamento de capitais, eram legais. Desse facto só podemos concluir que a actividade legislativa, fiscalizadora, reguladora e repressiva dos Estados e dos organismos internacionais está profundamente errada.
  • As ligações entre os nomes anunciados e os mais altos quadros da política nacional e mundial mostram inequivocamente a densa malha de conflitos de interesse, a incapacidade dos eleitos representarem efectivamente as populações que os elegeram. Talvez tal explique os “esquecimentos”, as leis ausentes, promíscuas, e até os “perdões fiscais”.
  • A lavagem do dinheiro permite que múltiplos crimes surjam com a face visível do empreendedorismo de alguns. As intercepções da criminalidade internacional organizada com os negócios legítimos são cada vez mais estreitas. A crise e a dinâmica financeira beneficiaram o peso crescente daquela. Percorrem os mesmos bancos, mercados, paraísos fiscais e negócios. Partilham os mesmos espaços de aprendizagem e influência das elites. Não nos espantaríamos que sectores estratégicos da economia nacional, neste tempo de privatizações e fragilidade dos Estados, estejam fortemente influenciados por máfias.

Estamos perante práticas imorais sistémicas. Peças do agravamento das desigualdades sociais. Os mais débeis são os que pagam (mais) impostos. Os outros alimentam os mais de 21.000.000.000.000 de dólares dos offshores de Londres e outros impolutos países.

Revoltamo-nos e perguntamos que fazer. As respostas existem, mas os controlos políticos para a sua execução são difíceis. Difíceis mas imperiosos se pretendermos que a democracia não seja plutocrática, escravizadora dos cidadãos. Para tal, além de outras medidas, é fundamental que os Estados readquiram a sua honradez, dignidade e capacidade de influenciar a sociedade, na representação das populações. E todos nós temos uma palavra a dizer, uma acção a promover.