António João Maia, Diário Económico

não é difícil imaginar a possibilidade de algumas das contas bancárias identificadas nas listagens divulgadas serem tituladas por “testas de ferro”

O escândalo swiss leaks, apesar de apresentar ainda alguns contornos indefinidos, vai deixando perceber que pode tratar-se de uma gigantesca operação bancária internacional destinada a acoitar avultadas quantias monetárias com as mais diversas proveniências, designadamente de práticas criminosas e de fraudes.

A ser verdadeiro este enquadramento, não é difícil imaginar a possibilidade de algumas das contas bancárias identificadas nas listagens divulgadas serem tituladas por “testas de ferro”. O recurso a esta solução é transversal a todos os tipos de atividades criminosas e a todas as sociedades. O pressuposto é muito simples: aquele que possui um determinado montante avultado em dinheiro, de proveniência ilícita ou fraudulenta, recorre à identidade de uma terceira pessoa para, sem o conhecimento dela, lhe associar esses valores – por exemplo através da titularidade de contas bancárias – evitando ou reduzindo os riscos de uma eventual associação do seu nome a esses montantes e à sua origem.

“Testa de ferro” é uma expressão muito comum entre os autores destas práticas, bem como entre polícias e investigadores criminais, sendo utilizada para definir aquele cujo nome surge associado à posse de valores resultantes de atividades criminosas ou de fraude, mas relativamente às quais é alheio, e cuja relação desconhece até ao momento em que é abordado pelas autoridades para apresentar as suas explicações sobre a situação.

E, questiona-se, qual é o perfil que em regra apresenta o “testa de ferro”? As situações mais comuns apontam para toxicodependentes e prostitutas, que, a troco da dose diária de estupefaciente ou de uns míseros cobres, vendem os seus documentos de identificação, que são depois inseridos num “mercado negro”, onde são comercializados justamente para estes propósitos, ou seja para a titularidade de contas bancárias com propósitos obscuros. São também conhecidas situações de utilização abusiva de elementos identificativos colhidos através do furto de documentos de identificação pessoal, ou muito simplesmente a partir dos dados constantes de todo o tipo de formulários que diariamente preenchemos com os mais variados propósitos.

E, perante situações desta natureza, as autoridades judiciais que têm de proceder às investigações confrontam-se, logo de partida, com enormes dificuldades para perceber quem são os verdadeiros beneficiários das verbas e qual a sua origem, uma vez que aqueles que titulam as contas não conseguem perceber nem explicar o sucedido.

É verdade que existem mecanismos para congelar as contas e as verbas. Mas é igualmente verdade que se não se lograr a identificação dos seus beneficiários, estes conseguem escapar a sanções e continuar com as suas atividades criminosas e fraudulentas.