José António Moreira, Jornal i,
O comportamento das empresas, tal como o das pessoas, é determinado por forças, incentivos. No domínio da fraude contabilística, por exemplo, tradicionalmente a pressão da fiscalidade levava aquelas, em particular as de pequena e média dimensão, a procurarem “esconder” do Estado parte dos seus resultados.
Não é preciso recuar muito no tempo. Uma década, duas no máximo. No gabinete de um qualquer gerente bancário, a partir de Abril de cada ano, depois do fecho das contas das empresas, poderia escutar-se o seguinte tipo de discurso: “Obrigado por me ter recebido. Venho trazer-lhe a informação contabilística do ano passado. Aqui tem a declaração fiscal, o modelo 22. Mas, como o senhor gerente sabe, o nível da nossa actividade é superior ao que está registado na contabilidade oficial. Portanto, tomei a liberdade de lhe trazer também as contas reais da nossa actividade.” E o gestor da empresa, ou um seu representante, entregava umas quantas folhas timbradas (às vezes nem timbre tinham) com os mapas contabilísticos que, supostamente, reflectiam a actividade real da empresa. O gerente bancário aceitava esta informação como algo perfeitamente normal.
Os tempos mudaram. O processo de concessão de crédito do sistema bancário alterou-se. O elemento pessoal da relação creditícia, baseado no conhecimento que o gerente bancário tinha do gestor-proprietário e do seu negócio, perdeu-se em grande parte em favor da “objectividade” de um qualquer modelo de “scoring”. Como consequência, as empresas passaram a defrontar-se com um diferente incentivo à fraude contabilística, de natureza oposta à referida anteriormente. Agora, o objectivo a atingir é mostrar resultados “oficiais” – mesmo quando não existem – que convençam os financiadores de que a empresa está de boa saúde financeira.
Há dias, um colega revisor de contas confidenciava-me que o principal problema com que se estava a defrontar no seu trabalho era o de evitar que as empresas não registassem na contabilidade todos os gastos suportados com a actividade e, por essa via, aumentassem (fraudulentamente) os resultados do período. “Elas sabem que se apresentarem resultados negativos ou muito baixos a banca lhes corta o financiamento. Portanto, preferem pagar imposto (IRC), que não seria devido, a ‘sufocarem’ por falta de crédito bancário.”, explicou-me ele.
Não é surpresa que as empresas assim se comportem, sobretudo as de mais débil saúde financeira. Em tempos de crise e de restrições no acesso ao crédito, como os que se vivem, a (tradicional) fraude contabilística de natureza fiscal, destinada a reduzir os resultados e o IRC a pagar, por via de situações de subfacturação e ou de empolamento dos gastos, passa para segundo plano. Hoje, a fraude é em grande parte de natureza informacional, destinada a esconder dos financiadores a real situação económica e financeira da empresa.
Ironia do destino. O Estado, tradicionalmente defraudado na recolha de receita, recebe agora, em muitos casos, IRC em excesso relativamente ao que lhe seria devido.