Carlos Pimenta, Jornal i,
1. As crises, fases do ciclo económico, fazem parte do após Revolução Industrial (XVIII), espalhada à escala mundial durante o século seguinte. À medida que o capitalismo submetia os anteriores modos de produção e abrangia mais países as crises passaram a ser mais frequentes, mais amplas e tendencialmente periódicas. Sendo cada uma diferente das restantes, todas apresentam características comuns. Antecipada, numa aparente contradição, por um aumento das cotações na bolsa, revela-se na diminuição do investimento privado, na quebra da procura agregada, no aumento dos estoques e dificuldade de venda, na diminuição do emprego e na subocupação das máquinas e equipamentos. Esta situação altera a dinâmica social e política pela insegurança e revolta, pela subserviência e ruptura, pela leitura clara do encoberto.
2. Estas crises são radicalmente diferentes das anteriores (até séc. XVIII). Antes as crises representavam fome porque a produção era insuficiente. Actualmente a fome resulta de haver produção a mais em relação às possibilidades de venda. É a miséria nascida na, e da, opulência. Alguns chamam-lhes crises de subconsumo, outros designam-nas por crises de sobreprodução. Há capital a mais em relação às possibilidades da sua rentabilização. A superação da crise passa pela não utilização, destruição, do capital e dos recursos: o capital fixo é destruído pela paralisação das máquinas e encerramento das instituições produtivas; o capital mercadoria é-o pela acumulação sem venda; o capital humano é-o pelo desemprego e pela deterioração das condições de vida; o capital monetário-financeiro desvaloriza-se e muitas das dívidas não são pagas.
3. Numa crise não está apenas em jogo a eficácia económica. A economia não é mais do que uma parte da sociedade em que outros valores são fundamentais e ajudam à resolução dos próprios desmandos da actividade económica. A vida humana e a preservação do nosso habitat são alguns desses valores fundamentais. Valores que exigiriam uma actuação adequada do Estado que tivesse em conta os princípios éticos fundamentais da sociedade contemporânea, indicados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Contudo não têm sido essas as referências fundamentais da União Europeia. A concubinagem entre o poder político e o capital financeiro, manifestada através da socialização dos prejuízos e privatização dos lucros dos bancos é a principal causa do actual prolongamento da crise. Salva-se o capital fictício gerado na loucura e na fraude da bolsa, profusamente acumulado nos bancos, mas matam-se muitos que empenharam todas as suas energias num negócio ou dependem do salário para viver.
4. A crise em que vivemos foi fortissimamente ampliada por fraudes e outros crimes económicos, muitos já investigados e julgados. Muitos dos que estiveram na origem de tal ambiente continuam a ser politicamente apoiados e salvaguardados, em detrimento de todos os demais.
E tudo isto acontece numa Europa onde existe uma poderosa criminalidade económica organizada em condições de aproveitar as debilidades dos Estados e as dificuldades das empresas para entrelaçar mais o legal com o ilegal, para aumentar a sua influência política.
Vivemos numa sociedade criminogenética, em crise, que tende a reforçar a sua toxidade, para o que contribui o neoliberalismo.
É um imperativo social, legal e ético promover uma política que beneficie tanto o capital produtivo como o trabalho, só viável numa lógica de combate à crise, de crescimento e de defesa da democracia.