Manuel Castelo Branco, Visão on line,

Desde que, em Novembro de 2012, foi tornado público o Índice de Perceção da Corrupção (IPC) de 2012, da Transparência Internacional, no qual Portugal se posicionou em 33.º lugar, entre 176 países, multiplicaram-se as notícias sobre o mau posicionamento do nosso país e sobre a evolução negativa ocorrida, não só da versão de 2011 do referido índice para a de 2012, mas também durante a última década, tendo sido esta última muitas vezes apodada de desastrosa.
Se, para uns, a posição ocupada por Portugal no índice em questão é má, na medida em que ela é partilhada com países como o Butão, para outros tal posição poderá não ser assim tão má porque diversos países considerados tão ou mais desenvolvidos do que Portugal, como a Itália ou a Grécia, se encontram bastante pior posicionados.
Muitos apressaram-se a afirmar que a corrupção em Portugal teria aumentado. As provas de tal aumento da corrupção seriam os factos de Portugal ter passado do 32.º lugar, no IPC de 2011, para o 33.º, no IPC de 2012, e de ter caído cerca de 10 posições na última década.
No entanto, uma análise diferente dos resultados poderia sugerir que a situação não terá piorado assim tanto, sendo até possível argumentar-se que terá melhorado de 2011 para 2012 e que não se terá deteriorado desde 2002. Não considero, todavia, que tais argumentos possam ser aduzidos, na medida em que o IPC se baseia em perceções, não podendo ser considerado um indicador objetivo do fenómeno empírico da corrupção.
O IPC é a medida indireta melhor conhecida do fenómeno da corrupção. Trata-se de um indicador compósito, isto é, compilado a partir de várias fontes, todas elas baseadas em opiniões de pessoas a respeito do nível de corrupção no setor público num determinado país. Este índice expressa-se na forma de um ranking, sendo utilizado uma pontuação (em 2012, um número 0 a 100) para exprimir a posição dos países nele.
Muitas críticas têm sido efetuadas a esta forma de medir o fenómeno da corrupção e muitas insuficiências lhe têm sido apontadas. Um aspeto fundamental, que deve ser tido em conta quando se analisa a evolução ao longo do tempo do posicionamento de um país no IPC, relaciona-se com o facto de tal posicionamento ser apenas relativo, o que significa que o facto de um país ascender algumas posições na lista implica que um determinado número de países cairão nessa lista, independentemente do que tenha acontecido em termos do fenómeno empírico a que ela se refere. A leitura que tem sido feita sobre a evolução da posição de Portugal no IPC deve ter em conta este aspeto.
Nesta perspetiva, é importante esclarecer que embora tenha passado do 32.º lugar, no IPC de 2011, para o 33.º, no IPC de 2012, Portugal passou de 6,1 numa escala de 10 pontos (correspondendo 10 à melhor situação possível), no índice de 2011, para 63 numa escala de 100 pontos (correspondendo 100 à melhor situação possível), no índice de 2012. Com reflexos ao nível do posicionamento de Portugal no IPC, são de salientar as seguintes alterações de 2011 para 2012: o Botswana passou de 32.º, com pontuação igual à de Portugal, para 30.º, com pontuação de 65; o Butão passou de 38.º, com 5,7, para 33.º. Taiwan, que apresentava pontuação e posição idênticas à de Portugal em 2011, passou para 37.º em 2012, com pontuação de 61. Nada nas alterações ocorridas ao nível da posição e da pontuação de Portugal no IPC permite dizer que o fenómeno da corrupção no setor público se deteriorou de facto em Portugal.
Por outro lado, apodar-se de desastrosa a evolução ocorrida na última década também se revela um exagero grosseiro. Em 2002, Portugal obteve 6,3 e posicionou-se em 25.º lugar no IPC, pontuação e posição idênticas às de França. Em 2012, Portugal obteve 63 e posicionou-se em 33.º lugar, enquanto a França obteve 71 e posicionou-se em 22.º lugar, com pontuação e posição semelhantes aos de Bahamas, país não incluído no IPC de 2002. A evolução positiva de França e o aparecimento de Bahamas na lista com uma pontuação mais favorável do que a de Portugal implicaram, assim, uma descida de duas posições do nosso país sem que tenha ocorrido necessariamente uma alteração ao nível da realidade subjacente ao índice.
Um outro aspeto fundamental a ser considerado, a meu ver o mais relevante para uma primeira análise do que tem sido dito e escrito sobre a posição de Portugal no IPC e sua evolução ao longo do tempo, prende-se com o facto de o IPC ser um índice baseado em opiniões sobre a realidade da corrupção, o que levanta algumas questões a ter em consideração aquando da sua análise. Desde logo, é importante reconhecer que as opiniões de uma mesma pessoa sobre o fenómeno empírico da corrupção serão quase de certeza diversas em diferentes momentos do tempo mesmo sem que a realidade empírica subjacente se tenha alterado, na medida em que entre esses diversos momentos do tempo a pessoa em causa vai ela própria mudando. Por isso, mesmo que todos os anos as pessoas cujas opiniões são utilizadas para construir o IPC fossem as mesmas, o que não acontece, as comparações ao longo do tempo deveriam ser efetuadas com bastante cautela.
Por outro lado, o facto da própria metodologia variar de ano para ano e de país para país faz com que comparações ao longo do tempo relativamente a um país e comparações entre países devam ser efetuadas e analisadas com extremo cuidado. Relativamente à comparabilidade entre países, é importante salientar que as fontes utilizadas são frequentemente diferentes. Por exemplo, no caso do IPC de 2012, enquanto no caso de Portugal foram usadas 7 fontes de informação, nos casos do Butão e de Porto Rico, que aparecem com as mesmas posição e pontuação de Portugal, e nos casos de Bahamas, Barbados e Santa Lúcia, que aparecem com posição e pontuação mais favoráveis, foram usadas apenas 3.
Não pretendo neste texto questionar a realidade da corrupção em Portugal. Ela existe e é um grave problema. Pretendo tão só alertar para a diferença entre perceções sobre corrupção e o fenómeno empírico da corrupção e salientar que as primeiras, porque fornecem pouca informação sobre o último, devem ser analisada com grande prudência.
Termino com um pedido de desculpa aos leitores por um título tão “mal amanhado”, no qual a expressão “Portugal na corrupção” se refere ao posicionamento do país no Índice de Perceção da Corrupção. Espero, no entanto, que percebam a intenção.