Carlos Pimenta, Visão on line,

1. Sabe-se que a natureza é um valor importante a preservar. Por isso em muitas circunstâncias projetos vários têm que passar o crivo da benevolência dos seus impactos sobre os seres vivos e as interações destes sobre o meio ambiente.

Para além dos atores da conceção inicial do projeto intervêm especialistas de outras áreas técnico-científicas que têm como eixo comum a ecologia.

Também a ética, o respeito pelas normas negociais e a concorrência leal têm de ser preservados. Em muitas circunstâncias a aprovação definitiva de um empreendimento deveria estar dependente da constatação que os seus impactos sobre a fraude, sobre a economia paralela, sobre a corrupção, sobre o branqueamento de capitais, sobre a coesão social e o comportamento ético estão conformes com a democracia e a legalidade.

Enfim, em muitas situações justifica-se a existência de uma análise do impacto fraudulento de uma qualquer iniciativa. Uma análise feita por um grupo interdisciplinar de especialistas em fraude.

2. Não são raras as situações em que projetos formalmente muito bem elaborados não atingem os seus fins porque estes foram bastante adulterados por circunstâncias que eram perfeitamente previsíveis e que promoveram atividades paralelas obstaculizadoras do pretendido e conducentes a mudanças diferentes não consideradas no início.

São alguns planos de desenvolvimento sectorial ou regional, são os processos de simplificação administrativa que abrem as portas a novos tipos de fraudes, são as informatizações sem as devidas e necessárias preocupações de segurança embora de uma aparência exterior com forte impacto propagandístico, são várias leis – muitas vezes no início elaboradas em situação de conflito de interesse--, são os estatutos ou as regras de funcionamento de muitas instituições que deveriam preservar a dignidade que a função pública exige.

Frequentemente uma análise de impacto fraudulento não conduziria a uma reprovação das boas intenções consignadas em diversos projetos, mas antes a uma correção de alguns aspetos ou o acréscimo de algumas medidas complementares, quiçá de favorável impacto financeiro.

3. Muitas vezes não é o projeto que está mal, mas sim a forma de o fazer. Assim, por exemplo, em vez de se adotar uma estratégia de longo prazo, de participação voluntária, de estímulos materiais a quem tome determinada iniciativa opta-se pela decisão centralizada e imperativa. Foi o caso, por exemplo, dos Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas, que em muitas situações passou de uma boa intenção a um ato burocrático e rápido que não permitiu uma reflexão crítica sobre o problema, a gestação de uma cultura institucional de maior coesão e ética, a consciência que muitos dos atos de corrupção são partes de um processo mais vasto.

4. Se em qualquer sociedade a ética deve estruturar as relações sociais, em geral, e económicas, em particular, as análises de impacto fraudulento são uma necessidade crescente desde os anos 80 do século passado, período em que se iniciou uma nova fase de atividades paralelas ou ilegais à escala mundial, acompanhando o que se pode designar por globalização.

A degradação quase total da confiança entre os cidadãos e os Estados que os deviam representar, o ambiente criminológico que facilitou a crise atualmente vivida, a complexização das fraudes económico-financeiras enquanto processos unificados para a criminalidade organizada, o risco que as liberdades e a democracia correm num tal contexto, ainda torna mais urgente e exigente a existência dos referidos planos. A Europa é um epicentro deste abalo institucional.

5. Ainda não existem as análises de impacto fraudulento mas poderiam existir. O conhecimento interdisciplinar sobre a fraude, a corrupção e os processos conexos já têm um rigor e uma existência que consubstanciam essa possibilidade. Especialistas e conhecimentos existem. “Só” falta a lucidez de constatar a sua importância e a vontade política de o fazer.