Carlos Pimenta, Visão on line,

1. Todos nós conhecemos os cartazes do tipo aqui apresentado. É uma das formas de publicidade com que somos quotidianamente metralhados. Basta fazermos uma viagem de automóvel pelas estradas do nosso país para encontrarmos muitos exemplos. Diferentes no conteúdo, e também diferentes no local em que estão colocados, no grau de conservação dos mesmos, no impacto que tem sobre o ambiente circundante, no desvio de atenção que gera aos condutores.
É verdade, todos nós os conhecemos pelas estradas e autoestradas de Portugal. Para muitos de nós é um “fenómeno natural”.
No entanto a lei é muito clara:
“1 – É proibida a afixação ou inscrição de publicidade fora dos aglomerados urbanos em quaisquer locais onde a mesma seja visível das estradas nacionais.
2 – São nulos e de nenhum efeito os licenciamentos concedidos em violação do disposto no número anterior, sendo as entidades que concederam a licença civilmente responsáveis pelos prejuízos que daí advenham para os particulares de boa fé.” (DL nº 105/98, Art. 3º).
As preocupações desta lei são ambientais, mas têm em conta o respeito por um documento legal anterior que visava a segurança rodoviária.
No DL nº 13/71 “os anúncios ou objetos de publicidade” surgem como uma das matérias a ser regulamentada nas estradas nacionais. Considerando nestas a “zona de estrada” e a “zona de proteção à estrada” (Artigo 1º) apresenta uma lista de proibições em relação à zona de estrada (Artigo 4º), incluindo “causar perturbações ao trânsito ou prejudicar ou pôr em perigo os utentes da estrada por qualquer outra forma” (alínea o.). O Artigo 5º, nº 3 do DL nº 114/94 de 3 de Maio (Código da Estrada) vai no mesmo sentido. O impacto do DL 13/71 sobre a publicidade externa surge no Artigo 8º, ao apresentar uma lista de “Proibições em terrenos limítrofes da estrada”. Aí se diz, na alínea f., que são proibidas “tabuletas, anúncios ou quaisquer objetos de publicidade, com ou sem carácter comercial, a menos de 50 m do limite da plataforma da estrada ou dentro da zona de visibilidade, salvo no que se refere a objetos de publicidade colocados em construções existentes no interior de aglomerados populacionais e, bem assim, quando os mesmos se destinem a identificar instalações publicas ou particulares”. Na alínea o. do mesmo artigo proíbe-se os “focos luminosos que possam prejudicar ou pôr em perigo o trânsito”, o que, em algumas situações, pode acompanhar a publicidade anteriormente referida.
Em síntese, muita da publicidade que enxameia as zonas por onde circulamos é ilegal, seja porque põe em causa a segurança rodoviária, seja porque deteriora o ambiente. Qualquer pessoa a vê, mesmo os que têm a obrigação de garantir o cumprimento da lei, autorizar e fiscalizar a colocação de publicidade exterior. Como é isso possível?
Independentemente do desrespeito pela lei (embora cada vez mais sintamos que o direito do nosso Estado de Direito tem dois pesos e duas medidas) como é possível pôr em causa a vida humana sem que ninguém se importe? Não será o que acontece quando essa publicidade distrai o condutor, quando as lonas voam e podem atingir os transeuntes, quando as ferragens vão parar à estrada e provocam um acidente? Vidas que se podem perder sem que as causas sejam explicitadas, porque o problema não é encarado de frente, porque não consta das estatísticas das causas de acidente, porque a origem é difícil de provar.
Independentemente do desrespeito pela lei não será um atentado ao ambiente, vital para a nossa vida, a publicidade que nunca resistiria a qualquer estudo de impacto ambiental?
2. A questão seguinte que se coloca é: como é possível que esta ilegalidade aconteça à vista de todos?
Categoricamente, não sabemos. Limitamo-nos a deixar algumas perguntas para ajudar ao vosso esclarecimento:
Será porque o negócio da publicidade exterior é suficientemente forte e florescente para afrontar o cumprimento da lei? Será que essa eventual robustez negocial resulta da referida publicidade ser utilizada intensamente tanto na comercialização de bens e serviços como na captação de votos em todas as campanhas eleitorais?
Será porque a lei está mal feita, afetada de um conjunto de ambiguidades, proveniente ora da referida legislação ora de outra com ela relacionada, como é o caso da inconsistente classificação das “estradas da rede nacional fundamental e complementar”?
Será porque a publicidade externa, independentemente do local da sua afixação (e os publicitários preferem os locais onde tenham muitos leitores) gera recursos financeiros, nomeadamente para as Câmaras Municipais?
Será porque o processo de licenciamento pela Câmaras está enredada numa teia de burocracias, nomeadamente a solicitação de pareceres a entidades que não têm condições para responder adequadamente e que retiram responsabilização ao decisor?
Será porque os funcionários camarários que devem verificar as condições de autorização e posteriormente fiscalizarem a situação no terreno não têm a informação e a formação adequada para exercerem esses cargos?
Será porque a denúncia que qualquer entidade possa fazer, nomeadamente a policial, choca com burocracia e um vazio de regulamentação que conduz ao “arquivamento” do processo?
Será porque os processos de autorização e fiscalização estão minados pela corrupção, facilitadora dos bons negócios?
Será porque a importância da publicidade exterior nas campanhas eleitorais faz com que muita dessa publicidade funcione como financiamento informal às campanhas eleitorais e aos partidos, posteriormente pago pelo esquecimento da lei a aplicar?
3. Será?
Seja como for, é uma situação insustentável. Atentatória da lei e da vida.
Seja como for, é uma situação que provavelmente exigiria mais atenção por parte dos cidadãos e dos utilizadores da via pública, com consciência e cidadania.