Aurora Teixeira, Visão on line,

Para ‘arejar’ os pensamentos de tanta e tão repetitiva informação sobre a economia portuguesa, a visita de Merkel, o orçamento do Estado, o ‘regresso’ de Vale e Azevedo, ... decidi na tarde do passado domingo ‘viajar’ na ‘autoestrada da informação’ e visitar o Museo Nacional del Prado. A galeria online permite apreciar obras de arte magníficas que constituem verdadeiros antídotos ao veneno que a rotina diária teima em injetar nas nossas veias.
Entre muitas e extraordinárias obras de pintura uma em particular prendeu a minha atenção: ‘The Garden of Earthly Delights’ (‘O Jardim das Delícias Terrenas’), um tríptico da autoria do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516). Em cada extremo, o pintor coloca o ‘Céu’ e o ‘Inferno’. A visão do ‘Inferno’ (The Musicians Hell) é devastadora: diabos e demónios, espectros e outras figuras monstruosas atacam os pobres pecadores, torturando-os e atormentando-os de formas indescritivelmente grotescas.
Por muito bizarro que pareça, a extraordinariamente fértil imaginação de Bosch está profundamente enraizada na realidade do seu tempo em que o ‘povo’ sucumbia sob o peso da crescente tributação, em que a corrupção e a fraude eram galopantes e os supostos bastiões da ‘moral’ (bispos, cardeais e papas) tinham amantes, filhos e até os mostravam em público na missa, sem qualquer pudor.
Com muito menos imaginação do que Bosch, dei por mim a pensar quão atual e ajustada à realidade portuguesa era esta sua obra-prima, The Musicians Hell (‘O Inferno dos Músicos’), bastando substituir ‘Músicos’ por ‘Portugueses’.
Hoje, como no tempo de Bosch:
- é o ‘Zé Povinho’ quem paga a fatura (através de mais e pesados impostos) de décadas de esbanjamento, do desbaratar e desvio de dinheiros públicos – ‘derrapagens’ nas grandes obras públicas, parcerias público privadas ruinosas, BPNs, BPPs, ...
- a corrupção e a fraude (académica) alastram e os ‘bastiões da moral e dos bons costumes’ pavoneiam-se sem pudor com os seus pseudo títulos de ‘Dr.’, obtidos durante um fim-de-semana ou por equivalências a coisa nenhuma, ...
Tal como os patéticos pecadores do quadro de Bosch, os portugueses trabalhadores, honestos e cumpridores são literalmente tecidos vivos nas cordas de uma enorme harpa, fechados num tambor ou acorrentados a um alaúde enorme para aguentar o ritmo de uma sinfonia diabólica, um martírio apocalíptico de classe mundial, conduzidos por ‘maestros’ de competências duvidosas, obtidas em instituições pouco ou nada credíveis, as quais inclusivamente mantêm no seu corpo docente indivíduos que têm o pouco senso e o grande descaramento de publicar o ‘Guia para fazer o curso na maior’!
Que mundo surreal de loucura e perversão, que se desdobra como um pesadelo, é hoje Portugal.
É, assim, assaz pertinente reproduzir aqui as palavras de Winston Churchill*: “If you are going through hell, keep going.” (Se estás a atravessar o inferno, não pares)
Notas:
* Primeiro ministro britânico durante a 2ª Guerra Mundial (n. 1874- m. 1965)