Glória Teixeira, Visão on line,
1. Os dilemas que Portugal enfrenta nos dias de hoje podem reconduzir-se à questão fundamental da definição das funções do Estado, cuja implementação exige receitas que derivam essencialmente dos impostos e taxas. Cumpre aqui notar brevemente que o problema das contribuições obrigatórias se reconduz à figura dos impostos, ainda que em Portugal as contribuições obrigatórias (incluindo a vulgarmente chamada TSU) ainda se isolem dos impostos, recomendando as instituições internacionais (FMI e OCDE) a sua unificação e integração no IRS, o mais brevemente possível, a fim de reduzir a carga fiscal total que incide tanto sobre as entidades empregadoras como sobre os trabalhadores.
O problema do peso excessivo da nossa despesa pública tem de ser encarado de frente e não pela via do expediente ao aumento constante da carga fiscal que apenas atenua e não resolve o problema do nosso excessivo endividamento.
Em países financeiramente ‘equilibrados’, os governos definem com precisão as políticas a prosseguir e contabilizam os meios financeiros necessários para as executar.
Indicam-se brevemente e a título exemplificativo: as políticas de saúde, educação, defesa, justiça e solidariedade social. Nestes setores, estabelecem-se também hierarquias, prevalecendo as políticas sociais sobre as políticas de defesa. Em alguns países, veja-se o caso da Alemanha e dos países nórdicos, os orçamentos para a defesa são muito reduzidos de forma a libertar receitas para outras políticas sociais prioritárias.
A Alemanha é exemplar pelo facto de possuir um setor militar muito modesto, não obstante a sua capacidade exportadora ao nível de equipamento militar. Portugal deveria seguir este bom exemplo.
Outros exemplos poderiam ser recolhidos ao nível de uma boa gestão dos recursos ao nível da saúde, educação, justiça e solidariedade social mas o tempo e espaço deste artigo não me permitem maior desenvolvimento.(1) Para o efeito, basta que os governantes desçam ao terreno e vejam as experiências em curso em diferentes países.
2. As democracias saudáveis exigem aos governantes não só clareza e segurança na definição e implementação das políticas ou funções do Estado mas também transparência e rigor nas contas públicas. Penso que estamos todos de acordo que as receitas dos impostos que pagamos devem contribuir para que o país possua hospitais e escolas decentes, segurança interna e apoio social condigno.
Num país como Portugal, economicamente pouco produtivo e com problemas estruturais graves(2), podemos dar-nos ao luxo de ter o Estado a assegurar funções não vitais, nomeadamente atribuição de qualquer tipo de subsídio a fundações (e.g. Serralves, Casa da Música, Mário Soares, etc.) e outras entidades que desempenhem funções não essenciais do Estado?
Seria excelente, de facto, o Estado financiar todas estas atividades mas a realidade é que mesmo nos países mais ricos, este tipo de fundações (seja no âmbito da cultura, da defesa do património, do ambiente, etc.) são privadas e financiadas fundamentalmente por entidades privadas e pelos cidadãos em geral. Aproveito para deixar aos leitores o excelente exemplo que constitui o National Trust em Inglaterra, entidade privada que assegura a defesa da cultura e património inglês, com recurso ao apoio dos seus membros e mecenas, angariados ao longo de dezenas de anos. Este exemplo, entre muitos outros, ilustra a importância do sentido cívico e partilha de responsabilidades numa coletividade que sabe que não pode contar com o Estado para tudo porque os recursos são limitados.
3. Concluindo, cumpre fazer mais investigação e indagação sobre a aplicação das receitas dos nossos impostos e eliminar despesas não essenciais, nomeadamente aquelas que não caiam no núcleo das funções essenciais do Estado. O trabalho já desenvolvido é muito louvável (e.g. levantamento dos gastos públicos com instituições privadas, renegociação de ‘contratos leoninos’) mas temos de ir mais longe.
Deixando uma questão (simples) desde já em aberto, e na sequência de informação hoje publicada no jornal Público onde refere que uma das metas em Espanha para 2013 é a redução em 12% (em média) nos gastos dos ministérios, que se reconduzirá a uma poupança de 4 biliões e 300 milhões de euros, qual a meta prevista em Portugal para redução dos gastos em 2013 nos diferentes ministérios?
A preferência pela redução da despesa em alternativa ao aumento da carga fiscal, conforme demonstrado num estudo de Alberto Alesina, da Universidade de Harvard, Dorian Carloni e Giampaolo Lecce da Universidade de Nova Iorque(3), aparece como socialmente mais justa, sendo melhor aceite pela sociedade em geral, não obstante o coro de protestos e greves generalizadas.
NOTAS:
Ver “The return of rationing”, The Economist, June 25th, 2011.
2 Veja-se que quase 10% dos licenciados portugueses estão desempregados (The Economist, March 3rd 2012, The uncertainty society).
3 “The Electoral Consequences of Large Fiscal Adjustments”, by Alberto Alesina, Dorian Carloni and Giampaolo Lecce, October 2010, in www.economics.harvard.edu/faculty/alesina/unp