Paulo Vasconcelos, Visão on line,

Parece que os invisíveis líderes globais e que os nossos visíveis líderes políticos, em sintonia, nos têm conduzido a uma sociedade que valoriza o indivíduo em detrimento do todo, ou seja da própria conceção de sociedade. Este abandono humanista que enaltece aquele que fez isto e aquilo e que obscurece os demais, esta filosofia redutora que nega a dependência dos feitos individuais do culminar das ideias e trabalho de muitos, tem conduzido a uma sociedade cada vez mais injusta e parcial.
Mas em que medida é que a elevação do individualismo e da competição pela competição pode abrir as portas à fraude?
1. Claro que a fraude é de quem a pratica mas pode também ser o corolário de uma sociedade que premeia avidamente o sucesso individual e a ambição desmedida. Esta excessiva focalização nos feitos individuais torna banais a esmagadora maioria dos homens, homens que são apontados como perdedores e frouxos, homens que se vão descaracterizando … e afinal é a humanidade que se vai esvaziando.
A competição pela competição pode chegar ao ponto de, com forte probabilidade, todos os competidores praticarem fraude. Ou seja, sem ela, nem sequer estariam em condições de competir. Exemplo é o recente caso em que Lance Armstrong é acusado de dopagem planeada assim como (parte) da sua equipa. Esta acusação parece estar fortemente baseada em depoimentos de ex-colegas que acrescentam que esta é uma prática corrente e extensível à maioria dos ciclistas. É a abordagem “ganhar a todo o custo”. A União Ciclista Internacional, UCI, após analisar o relatório da agência antidopagem dos EUA, US Anti-Doping Agency - USADA, esta última responsável pela irradicação de Armstrong, retirou formalmente os títulos a Armstrong, em particular os resultantes das sete consecutivas e extraordinárias vitórias na volta a França de 1999 a 2005. Armstrong terá desistido de lutar pela sua inocência neste caso. Não sendo necessariamente uma assunção de culpa, deixa no entanto a sua posição mais fragilizada. É muito interessante a posição já há algum tempo assumida pelo diretor da volta a França que terá negado a possibilidade de reatribuir aos segundos classificados as vitórias de Lance. Em tanta atribulação, eis uma atitude séria. A melhor forma de abordar o problema será não haver vencedor, até porque os segundos, terceiros e seguintes poderão também eles ter prevaricado.
O lado humano de Lance não pode ser esquecido. Ele próprio vitima de cancro fundou a Lance Armstrong Foundation (http://lancearmstrong.com/) com trabalho dirigido às pessoas afetadas por este grande desafio para a sociedade do conhecimento.
2. O sucesso muitas vezes é resultante de influências, agendas pouco claras, jogos de favor, enfim, de potenciadores do próprio sucesso. As pessoas com sucesso são apontadas como exemplo a seguir, exemplo de tenacidade, ambição, trabalho árduo e inteligência... mas, certamente muitas vezes são é defraudadores da verdade e consequentemente da própria sociedade. Ambição, competição, sucesso são importantes enquanto motores para o desenvolvimento de uma sociedade e para o avanço civilizacional, mas devem ser relativizados quando usados na competição pela competição.
Faleceu este agosto passado Neil Alden Armstrong (5 de agosto de 1930 - 25 de agosto de 2012), primeiro homem a pisar na Lua, na base da Tranquilidade, em 1969 com a missão Apollo 11. Ficou célebre a frase que proferiu ao pisar o solo lunar: "one small step for man, one giant leap for mankind”. Foi um legado ao conhecimento científico e à humanidade. Antes havia sido piloto de testes, servido na Marinha do seu país e participado em muitas outras missões como astronauta. Com a Apollo 11 colocou termo à sua participação na NASA, não pretendendo tirar partido pessoal do êxito. Feito que ele simboliza e para o qual muito contribuiu, mas que é um feito de uma equipa, do sonho e empenho de vida de muitos. Tornou-se professor universitário e sempre recusou os inúmeros e aliciantes convites para dispor do poder da sua influência e ganhar dinheiro com ela.
Aquele que foi um pequeno passo para o homem, tendo sido um feito para Neil, foi, como a célebre frase proclama, um avanço para a humanidade.
3. Ambição, competição e procura por sucesso, em doses quanto baste, são obviamente importantes, até para a autoestima de cada um. O bem-estar do indivíduo sim, deve ser cuidado. Agora, perante o mundo pressionante, quando se vão perdendo as forças para competir e quando se acumulam múltiplos insucessos para poucos e curtos momentos de felicidade, temos de procurar inspiração.
Louis Daniel Armstrong (4 de agosto de 1901 - 6 de julho de 1971) foi outro Armstrong famoso. Cantor, compositor e trompetista entre outras facetas, desenvolveu, fruto do seu reconhecimento, ação política, elaborando sobre racismo. Era um homem influenciado por ideais e não teve receio em se debater em prol deles.
Nesta fase tão negra, esqueçamos por momentos a ambição desmedida, o poder, o dinheiro que possa sustentar e perpetuar esse poder, a perseguição de fins efémeros, muitas vezes com esquemas fraudulentos. Para um simples momento de inspiração, atrevo-me a sugerir que escutem e se deixem impregnar com “what a wonderful world”
(http://www.youtube.com/watch?v=E2VCwBzGdPM)
interpretado por Louis.