José António Moreira, Visão on line,
1. No último mês, em três diferentes ocasiões, foi-me colocada a seguinte questão: “A crise fomenta a ocorrência de mais fraudes?”.
É possível que a questão esteja cientificamente tratada algures e existam estudos que a discutam. Porém, desconhecendo a existência de tais estudos, a única forma que encontrei para lhe responder com alguma sustentação – e não apenas através de um mero palpite – foi por recurso a uma ferramenta teórica, com quase seis décadas de vida, mas plenamente atual: o “Triângulo da Fraude”, enunciado por Donald Cressey em 1953.
Esta ferramenta propõe três vertentes (vértices) para análise de uma fraude: a “pressão” sentida pelo fraudador para resolver uma necessidade financeira extrema; uma “oportunidade” para satisfazer essa necessidade que ele deteta no meio envolvente que o rodeia; uma “justificação” moral para o ato ilegal cometido. A sequência destas vertentes numa fraude não tem, necessariamente, de ser a apresentada, como mais à frente se ilustrará.
Um período de crise económica e financeira como o que atualmente se vive parece ter impacto no despoletar dessas três vertentes. Desde logo, ao reduzir de um modo geral o rendimento dos agentes económicos, individuais ou coletivos, é potencialmente causador do aparecimento de necessidades financeiras acrescidas ou inesperadas e, portanto, de “pressão” motivadora para a fraude. Mas a crise é, também, potencialmente um tempo de “oportunidades”: os agentes económicos tendem a estar mais abertos a acolher propostas simples para problemas complexos, criando terreno favorável à atuação do fraudador; é nestas alturas que os recursos ao dispor das autoridades fiscalizadoras se mostram mais escassos face às necessidades e, como tal, tendem a criar espaços que são oportunidades para a fraude; ainda, uma maior pressão financeira também é indutora de uma maior atenção, por parte do fraudador, na deteção de oportunidades latentes. Por último, um período de crise é, por excelência, prolífico no fornecimento de “justificações” morais: o potencial e futuro fraudador sente-se injustiçado; não se considera culpado pela ocorrência da crise, mas sente-lhe os seus pesados efeitos; considera ter o direito de se defender dos outros, os “causadores de crises”; julga-se uma vítima do sistema e, enquanto tal, titular de um direito moral de ser ressarcido dos prejuízos sofridos.
Num tal contexto, parece, pois, que a crise económica e financeira que se vive é, potencialmente, fomentadora do aparecimento de situações de fraude.
2. Ilustre-se o que se acaba de referir com recurso a um caso de fraude que veio recentemente a público na imprensa (JN, 5.7.2012, “Estado burlado com falsos desempregados”).
Um esquema simples: pequenas empresas, com ou sem atividade, comunicavam à Segurança Social, através dos mapas oficiais mensais, a contratação de empregados e ou o aumento dos salários dos seus gerentes. Porém, não entregavam as correspondentes contribuições sociais, que ficavam em dívida.
Decorridos os prazos mínimos para que os sujeitos envolvidos – os falsos empregados ou os gerentes – pudessem usufruir de proteção social, apresentavam-se a reclamar e receber (indevidamente) subsídios de doença, de parentalidade e, até, de desemprego. No total, com esta fraude a Segurança Social terá desembolsado indevidamente cerca de meio milhão de euros.
Poderemos imaginar os (pobres) empresários, em tempo de crise, sem dinheiro para pagar aos seus trabalhadores, pressionados pela falta de financiamento bancário para gerirem o negócio … e teríamos aí a “pressão” que levaria à fraude. Porém, tendo em conta a quantidade e qualidade das viaturas de topo de gama que foi apreendida aos cabecilhas fraudadores, a origem da fraude parece ter estado na “oportunidade”, mais do que na “pressão”. A Segurança Social, tradicionalmente, nunca foi caraterizada por ter uma rápida atuação na reclamação das contribuições sociais em falta. Em tempo de crise, em que as situações de atrasos na entrega e retenções indevidas dessas contribuições crescem exponencialmente, ainda mais lento se tende a tornar o processo da respetiva recuperação. Está criada uma oportunidade. A “pressão” para colher um ganho (indevido) aparece, naturalmente, quiçá alavancada por uma “justificação” moral fácil de encontrar.
[Segundo o matutino, a situação de fraude foi detetada “rapidamente” porque levantou suspeitas o facto de salários de gestores de pequenas empresas, subitamente, se posicionarem ao nível, ou até acima, dos gestores das grandes empresas cotadas, chegando a atingir valores na ordem dos 50.000 € mensais.]
3. Tempos de crise são tempos de oportunidades, para o bem e para o mal. No caso analisado há, porém, uma questão que me confunde particularmente. Este tipo de fraude, tarde ou cedo seria descoberto. Era apenas uma questão de tempo. Nessa altura, os fraudadores seriam indubitavelmente identificados e detidos. Pergunto-me: como é que neste cenário, com um desfecho penal antecipado, alguém participa em tal tipo de fraude?
Sem mais informação e olhando a questão numa perspetiva de mera racionalidade económica, só vejo uma resposta possível para ela: para os fraudadores, os benefícios esperados da perpetração da fraude suplantavam, à partida, os custos resultantes das penalidades legais a que estariam sujeitos. A admitir-se como válido este raciocínio analítico, tem de se aceitar que em Portugal a Lei penal – e muito em especial a respetiva aplicação – não é suficientemente desincentivadora do crime. Ideia assustadora, sem dúvida.