Aurora Teixeira, Visão on line,

“There are only two tragedies in life: one is not getting what one wants, and the other is getting it.”(a) (Oscar Wilde, Poeta irlandês, 1854-1900)
Um ‘herói trágico’ é a designação (moderna) de um herói que comete um erro que leva à sua queda. O erro mais frequente dos ‘heróis trágicos’, especialmente nas tragédias gregas, é o orgulho. Na tragédia grega de Aristóteles (na sua obra Poética), o herói compreende o seu castigo e tem consciência que a sua queda resulta das suas próprias ações. A queda do herói é entendida por Aristóteles como um despertar da piedade e do medo que leva a uma epifania (compreensão da essência de algo) e uma catarse (purificação das almas) do herói e do público.
Karl-Theodor Freiherr zu Guttenberg, ex-ministro da defesa Alemão, e Pál Schmitt, ex-chefe de estado húngaro, eram até há bem pouco tempo verdadeiros ‘heróis’ e ‘modelos de sucesso’ nacionais. Pál Schmitt, de 69 anos, era considerado por muitos um (ex)atleta excecional e um homem ‘honrado’ fruto das 2 medalhas de ouro que alcançou na esgrima nos Jogos Olímpicos de 1968 e 1972. Bem mais novo, o ‘barão’ Guttenberg, 40 anos, era uma estrela política em ascenção, delfim de Angela Merkel, considerado um ‘político de sonho’, modelo da aristocracia alemã: rico, bem parecido, uma bela esposa, ...
O problema destes dois ‘heróis’ relacionou-se, a meu ver, com as duas ‘tragédias’ referidas por Oscar Wilde: 1) querer aquilo – o doutoramento – que não poderiam ter: um, o ‘barão’, por manifesta falta de tempo, o outro, o ‘atleta’, por falta de conhecimento; 2) obter aquilo – o doutoramento – que queriam, por vias pouco honestas... o plágio!
Os inicíos de ano de 2011 e 2012 podem bem ficar conhecidos como a ‘primavera da caça aos políticos plagiadores’. Em 17 de fevereiro 2011, o jornal Suddeutsche Zeitung denunciava que a tese de doutoramento (em Direito) de Guttenberg, intitulada "Constitution and Constitutional Treaty: Constitutional developments in the USA and EU", defendida em 2007 na University of Bayreuth (Alemanha) com Summa cum laude (distinção mais elevada) continha diversas passagens plagiadas. Quase 1 ano mais tarde, a 12 de janeiro 2012, o semanário HVG (hvg.hu) lançava a ‘bomba’: mais de 80% da tese de doutoramento (em desporto, sobre a história dos Jogos Olímpicos) do chefe de estado húngaro era cópia integral de outros trabalhos escritos por académicos estrangeiros. Defendida, em 1992, na Universidade de Semmelweis (Hungria), obteve também a distinção mais elevada (Summa cum laude).
Vários ‘traços’ são dramaticamente comuns aos dois casos:
1) as denúncias eclodiram aproximadamente 2 anos após Schmitt e Guntenberg terem sido eleitos para os cargos que então ocupavam.
2) ausência de epifania (‘compreensão da essência de algo’) e de catarse (‘purificação das almas’) por parte dos ‘heróis’.
3) apoio (quase) incondicional - mimesis (‘imitação de uma ação’) - por parte dos seus pares políticos, acompanhado por uma massiva contestação académica e social.
Ser ‘herói’ envolve frequentemente maior escrutínio público. Na sede de revelar que no ‘melhor pano cai a nódoa’ os jornalistas tornam-se frequentemente os veradeiros arautos da ética académica. É caso para afirmar maquiavelicamente que os ‘fins justificam os meios’...
Pál Schmitt e Karl-Theodor Guttenberg começaram por negar veemente o ‘crime’ e mesmo perante a confirmação dos factos continuaram a refugiar-se em subterfúgios inócuos, não parecendo reconhecer, na sua plena extensão, as suas (graves) faltas/erros. Guttenberg, em declaração aos jornalistas no eclodir do escândalo, afirmava perentoriamente "Irei temporariamente – repito, temporariamente – desistir do meu título de doutoramento". Revelando o ‘material de que muitos políticos são feitos, aquando da apresentação da sua demissão, declarava que se demitia não devido ao plágio mas porque o assunto se havia tornado uma distração: "Quando, na retaguarda dos soldados pelos quais sou responsável, me torno o centro da atenção deixo de poder justificar permanecer na função"... extraordinário dom de oratória!
Já Pál Schmitt recusou, numa primeira fase, demitir-se das suas funções de chefe de estado descrevendo a sua tese como um trabalho “útil” e “honesto”, sendo que na sua (modesta) opinião “não existia qualquer relação entre a presidência e a perda do seu grau de doutoramento.” Em 2 de abril 2012, perante contestanção pública geral, foi forçado a se demitir do cargo de Presidente mas não sem que antes rematasse, para estupefação de muitos, que o fazia por “uma questão de honra, estando a minha consciência limpa”!
Acrescento eu que ‘honra’ e ‘consciência’ não devem significar a mesma coisa no mundo da política e no mundo ‘real’... Só assim é que se compreende o apoio (quase) incondicional que estes dois (anti) ‘heróis’ obtiveram dos seus pares políticos (mimesis? – “amanhã posso ser eu?”) e a difusão de frases como: “A culpa foi das Universidades por fazer acreditar os candidatos que a suas teses satisfaziam os requesitos!”.
Dada a muito recente resignação ao cargo por parte de Pál Schmitt, não é possível saber a verdadeira extensão das consequências do seu ato. No caso de Guntenberg, a ‘pena’ pelo crime, para além de ter que ‘doar’ 20.000 € a uma instituição de caridade, traduziu-se num convite (em dezembro de 2011) da Vice Presidente da Comissão Europeia, Neelie Kroes, para liderar a cooperação internacional da iniciativa "No Disconnect Strategy" e na sua admissão ao Center for Strategic and International Studies (CSIS), convenientemente sediado em Washington, como Distinguished Statesman (!), para assumir a liderança do forum de diálogo transatlântico destinado a estreitar relações entre os EUA e a Europa. No entretanto, publicou um livro com um título digno de uma trágico-comédia, “Falhado por agora” ...
Concluo, em jeito de desabafo pesaroso, recorrendo às sábias palavras de Benjamin Franklin: “Life's tragedy is that we get old too soon and wise too late”(b).
Observ: (a) “Existem apenas duas tragédias na vida: uma é não conseguir o que se quer, e a outra é conseguir"; (b) “A tragédia da vida é que ficamos velhos muito cedo e sábios demasiado tarde”