Carlos Pimenta, Visão on line,

1. Quando se permite que uma raposa entre livremente no galinheiro, não é de espantar que se venha a encontrar as galinhas mortas e a raposa saciada. O problema não está no comportamento da raposa ou das galinhas mas no se ter deixado a porta aberta do galinheiro e a raposa em liberdade.
Esta é a fábula referida por Jean-François Gayraud para ilustrar a responsabilidade da falta de regulação, mesmo desregulação, social e económica em que vivemos há umas décadas, fortissimamente responsável pela atual crise. Ela criou o incentivo e as oportunidades para as fraudes. “É impossível explicar os riscos desmesurados e as fraudes cometidas apenas pela ganância: esta categoria moral é insuficiente. Os riscos e as fraudes imensas apareceram com a proteção da desregulação, pois o afrouxamento global das restrições cria rapidamente incentivos e oportunidades inéditas abrindo a via à ganância. Esta é mais uma consequência que uma causa” (La Grande Fraude: crime, subprimes et crise financière, 2011, Odile Jacob, pag. 197/8).
O ditado português “todo o homem tem o seu preço” é uma forma brejeira de revelar que a honestidade não é apenas um atributo pessoal, mas também um contexto social. Contexto social que está presente na estruturação da personalidade individual. Contexto económico que faz com que os maus profissionais e defraudadores afastem os competentes e íntegros do mercado. O ditado português pode ser utilizado para mostrar a importância da vigilância do Estado e da sua função reguladora.
2. A fábula explicita uma ideia mas a sociedade é mais complicada que a capoeira em terreno de raposa.
Os ricos e os seus funcionários de serviço na política podem andar à solta. Para tal há liberdade de circulação de capitais, funcionamento opaco dos mercados de capitais, diminuição relativa da sua carga fiscal. À solta com boas condições de usufruto da vida selvagem, para o que lhe são oferecidos desde os bens inacessíveis aos demais aos offshores ou paraísos fiscais.
Os cidadãos comuns têm de estar presos. O seu campo de ação é limitado, ficando subordinados a uma carga fiscal agravada, à ameaça ou efetividade do desemprego, à incerteza em relação ao futuro. Através da precarização (chamem-lhe flexibilização se querem ser enganados!) do mercado de trabalho e da desvirtuação da legislação laboral o responsável por fechar a porta da capoeira deixa de ser o Estado para ser a própria raposa.
A raposa pode controlar as fontes da sua alimentação, sejam os preços dos bens, sejam as manipulações bolsistas, sejam os mercados de futuros do petróleo e dos alimentos, seja emprestando ao Estado a juros agiotas o que antes lhe foi oferecido por aquele. Às galinhas resta-lhes serem feridas, comidas ou fugirem.
3. A ausência de regulação é um crime social.
Assistimos a isso em Portugal em diversas situações, de que o BPN é o caso mais paradigmático. Uns defraudaram, corromperam, roubaram (algumas raposas). Outros pagaram, viram os seus salários cortados, foram lançados no desemprego, foram convidados a emigrar (todas as galinhas).
Falhou regulação por parte do Banco de Portugal, falhou todo um Estado moldado pelo mito do mercado. Nenhum dos responsáveis pela desregulação deixou de ser promovido. O administrador do Banco de Portugal de então soube tão bem ser útil às raposas que foi fazer o mesmo numa instituição da União Europeia.
4. Tudo está bem no reino da Patagónia quando acaba mal para as galinhas e bem para as raposas.
E se houver “a fuga das galinhas”? Não convinha desertificar este jardim à beira mar plantado. Seria mais promissora a revolta das galinhas.