João Gomes, Visão on line,
Uma notícia recente chamou-me a atenção, ao confirmar algo já muito debatido: em alturas de (de)pressão económica, a prática de fraude cresce, analogamente à economia paralela.
De acordo com a notícia, veiculada pela BBC [http://www.bbc.co.uk/news/uk-16998687], a seguradora AXA (a 9ª maior empresa do mundo no FT500 de 2010) realizou um inquérito a 2000 clientes de várias seguradoras, visando avaliar o impacto da crise sobre a atitude dos segurados face à prática de fraude.
No inquérito, quase metade dos segurados admitiu ter exagerado o valor dos pedidos de compensação que submeteram, sendo o exagero típico na ordem dos 700€ por pedido. Mais de 10% dos inquiridos admitiram serem mais capazes de recorrer a este tipo de práticas agora, do que seriam há três anos atrás. Também a Association of British Insurers comunicou que a fraude em seguros subiu 10% no passado ano.
De acordo com a ACFE, no seu Report to the Nations de 2010, mais de 85% dos perpetradores de fraude nunca tinham sido condenados por delitos desta natureza. Isto pode sugerir uma mudança progressiva de atitude e comportamentos que, parece-me, não é independente dos problemas económicos que os países industrializados atravessam.
Na prática, estes números vêm apenas provar a base teórica que caracteriza a prática de fraude, o já anteriormente descrito “triângulo da fraude”, que indica que a ocorrência de fraude requer a existência de motivos, de uma oportunidade e de capacidade para racionalizar o acto. Analisando este instrumento na perspectiva da crise económica, verificamos que existem:
• motivos: o desemprego e, consequentemente, as dificuldades financeiras subiram acentuadamente;
• capacidade de racionalização: existe uma justificação clara para a prática deste tipo de delitos, já que manter a habitação e alimentação são necessidades primárias;
• oportunidade: os controlos existentes (e.g. cálculo de risco de um pedido de reembolso) têm dificuldades em adaptar-se e acompanhar a evolução dos métodos e volume da prática de fraude; é precisamente na fraqueza dos controlos que reside a oportunidade.
Esta base teórica, aliada às constatações mencionadas, deixa pouca margem para dúvidas de que haverá um aumento da economia paralela e da fraude em todas as indústrias, nomeadamente no sector segurador.
Face aos três factores descritos acima, constata-se que é difícil influenciá-los a todos. Eliminar os motivos implicaria resolver ou minimizar o impacto da actual crise económico-financeira e melhorar as condições de vida dos segurados, algo que não está ao alcance de uma organização. Eliminar a capacidade de racionalização implicaria uma (importante) transformação cultural, actuando sobre o sentido de ética e cidadania das pessoas.
Não obstante, está perfeitamente ao alcance das organizações reduzir o factor “oportunidade”, o que não só é mais fácil como mais produtivo para as organizações, já que a oportunidade é essencial à prática de fraude. Reduzir as oportunidades implica ter controlos mais eficazes e eficientes.
Acredito, face ao que relatei até agora, que o aumento da fraude previsto será verificado mais por via da quantidade do que pelo valor. Isto, porque é o cidadão comum que, face às dificuldades, vê-se forçado a recorrer à prática da pequena fraude, o único método que lhe é acessível. Existirão mais pedidos de reembolso, com um “exagero” de menor valor; uma prática, aliás, comum, já que um defraudador normalmente testa o método com valores baixos, incrementando-os em caso de sucesso. Adicionalmente, como “a necessidade é a mãe da invenção”, estimo que surgirão também novos métodos de fraude que visem escapar aos controlos actuais.
Posto isto, afigura-se como necessária a actualização ou modernização dos controlos existentes, tanto para lidar com o aumento de volume como com novos métodos que venham a surgir. O volume fará com que os controlos (e.g. auditores, peritos, mecanismos de validação) tenham que conseguir analisar um número substancialmente mais elevado de pedidos de reembolso. Os novos métodos implicam essencialmente que os controlos antigos (e.g. grelhas de risco, questionários) não serão eficazes a detectar risco e que as organizações terão que, proactivamente, implementar controlos que se adaptem rapidamente à dinâmica tradicional da fraude, bem como aumentar a sua eficiência na investigação.
Importa destacar a importância das tecnologias de informação para a implementação de controlos, dada a sua comprovada capacidade de processar automaticamente grandes volumes de dados e de detectar anomalias e/ou padrões de risco em informação complexa.
Para finalizar, resta considerar que os perpetradores de fraude vão ser cada vez mais criativos e proactivos na sua actividade. As organizações que não acompanharem esta dinâmica estarão numa posição de maior vulnerabilidade directa (perdas operacionais) e indirecta (reputação).