Fernando Costa Lima, Visão on line,
Nos idos de 2000, o historiador e filósofo italiano Umberto Eco foi convidado a dar a sua “visão do futuro” na sessão plenária de abertura da Reunião Anual do World Economic Forum, em Davos.
A dado passo da sua intervenção, Umberto Eco disse: “Uma vez que já esclareci que não sou um profeta, deixem-me tentar prever alguns possíveis rumos das coisas para o próximo século (já que não estou preparado para ir para lá desse horizonte temporal”.
Entre várias “previsões” fez a seguinte:
“O fim da ética. Qualquer doutrina moral consiste em apresentar um modelo de comportamento que cada um de nós deve tentar imitar. Daí a função modeladora do santo, do sábio, do guru, do herói. A virtude do modelo deve ser difícil de emular, é por isso que a ética era sempre uma arte tão difícil. Agora, acontece que a televisão tende cada vez mais a apresentar como modelos pessoas normais, de tal modo que não há esforço nenhum em sermos iguais a eles. Nós queremos ser como eles porque eles receberam a graça de aparecer na televisão. Em muitos casos haverá pessoas que se tornam modelos não por causa do seu comportamento normal, mas antes por causa dos seus pecados espectaculares (desde que estes pecados lhes tenham dado visibilidade e sucesso). Assim, a Monica Lewinsky será um modelo mais forte (e mais fácil) do que a Florence Nightingale ou a Madre Teresa de Calcutá.
Por isso mesmo o sucesso ético (a procura do Bem) não terá em breve qualquer ligação com a procura da virtude, mas apenas com a luta para ser visto.”
(Tradução livre do autor do texto da intervenção de Umberto Eco transcrita in www.davosnewbies.com/2000/02/08/umberto-eco-in-davos/)
Tudo isto vem a propósito de algumas reflexões por vezes feitas sobre o comportamento ético das pessoas na nossa sociedade de hoje. Tanto na sua vida pessoal e social, como na vida profissional.
Não vou agora olhar para o comportamento actual das pessoas em sociedade, mas tão só preocupar-me com um aspecto fundamental, em especial em épocas de crise, e que tem a ver com a ética nos negócios.
Na minha vida profissional tenho ouvido demasiados relatos de casos que me levam a pensar que a ética nos negócios parece ser algo que se encontra em extinção. E por vezes vindos de empresas e empresários que deveriam ser autênticos modelos para os seus concidadãos. É verdade que, em muitos casos, é o Estado que vem criar regras e leis que, em boa verdade, seriam desnecessárias se as empresas e os empresários tivessem um comportamento eticamente irrepreensível. Estou, por exemplo, a lembrar-me de quando o Estado teve que publicar uma lei a obrigar os bancos a fazer o arredondamento da taxa de juro à milésima no crédito à habitação. Mas poderíamos citar dezenas de outros exemplos, por exemplo na relação entre fornecedores e clientes, em determinados sectores de actividade económica.
Lei (e o seu cumprimento) não é a mesma coisa que ética. Por isso defendo que, em vez de criarmos leis umas atrás das outras, paremos um pouco para pensar o que fazer, já que o mundo tal como o conhecemos quando éramos jovens já não é o mesmo, a escola já não é a mesma e acima de tudo a família (e por vezes a igreja), enquanto elemento fundamental do enraizamento de princípios e valores éticos parece já não ser a mesma.
Voltando ao início. Será que não é preciso esperar pelo fim do século XXI para perguntar “A ética acabou”? Precisamos de fazer mais para que esta “profecia” de Umberto Eco não se realize.