Luís Torgo, Visão on line,
As patentes de software, de acordo com os seus defensores, são um instrumento fundamental para defender os interesses dos pequenos criadores que sem essa possibilidade poderiam ver os grandes tubarões da informática usurpar ideias fazendo-as passar por suas, graças às suas poderosas máquinas de marketing. Entre outros argumentos, este é um dos que mais se ouve esgrimir pelos defensores das patentes de software, e à primeira vista parece fazer todo o sentido e ser um objetivo bem nobre. Todavia, um olhar mais atento à realidade mostra que isto não passa de um grande embuste, uma verdadeira fraude! De fato, o sistema de patentes de software tem tido como consequência basicamente o oposto. Hoje em dia muito dificilmente alguém poderá ter ambições a criar algo com um mínimo de impato que não resulte em começar a ter umas chamadas de uns simpáticos advogados a cobrarem-lhe dinheiro por estar a infringir patentes que possuem. Ao permitir que alguém patenteie coisas completamente caricatas em termos de programação de computadores, o resultado é que hoje é praticamente impossível não só saber se não estamos a infringir alguma patente, como escrever algum software minimamente interessante sem infringir umas dezenas de patentes, tal o caráter básico das coisas que se deixaram patentear, sem as quais a escrita de um qualquer programa é extremamente difícil. Portanto, o que efetivamente acontece é que umas poucas grandes empresas com suficiente poder económico dominam todo um portfólio de patentes de software que lhes dá efetivamente o controlo sobre o que chega aos consumidores, e lhes permite, ainda que nada tenham feito para isso, amealhar dinheiro à custa do trabalho dos outros. As coisas atingiram extremos tão ridículos ao ponto de haver empresas cujo único negócio é submeter patentes e depois negociar com outras empresas a troca das mesmas (vidé por exemplo a empresa Intellectual Ventures).
Em tempos não muito longínquos as empresas de software sobreviviam à custa de possuirem pessoas com boas ideias e capacidade para as implementar. Eram tempos em que a criatividade pagava os seus dividendos. Hoje em dia, para mágua de alguém que é formado e forma pessoas nas áreas das ciências de computadores, o que se observa é que as grandes empresas sobrevivem à custa de coisas que muitas vezes pouco têm a ver com a sua criatividade a desenvolver software. Hoje em dia essas mega-empresas gastam mais dinheiro em advogados do que em programadores. Porquê? Porque lhes é fácil fazer coisas como comprar pequenas empresas, herdar o seu software, submeter patentes, e depois "divertirem-se" a ganhar dinheiro a cobrar direitos sempre que alguém faz algum software que colida com o seu cada vez maior portfólio de patentes. Esta entre muitas outras artes são as especialidades atuais destas empresas. Legal, mas uma verdadeira fraude para o consumidor que assim vê pequenas empresas a serem impedidas de o beneficiar com a sua criatividade pura e simplesmente por não poderem suportar este tipo de custos. Quem fica a perder? Todos menos estes mega-tubarões que se entretêm a transformar um espaço anteriormente dominado pela criatividade e imaginação, num autêntico campo de minas de patentes. Escrever ou criar algo interessante sem pisar uma destas armadilhadas, a maioria das vezes estrategicamente colocada diga-se, é uma tarefa inatingível para um pequeno criador. Sem uma equipa de advogados a estudar estas patentes e a negociar com os donos delas, não chegam lá. É pena. Parece impossível como se deixou chegar as coisas a este ponto, quando já existiam direitos de autor em software que garantem que os autores tenham os seu direitos pagos, se assim o quiserem. Claramente alguém não percebeu o que é fazer/escrever/criar software. Ou então percebeu bem demais, o que ainda é mais grave! Imaginem o que seria da literatura se de repente alguém pudesse patentar certo tipo de expressões. Ou da pintura se alguém tivesse uma patente sobre uma côr, ou um tipo de traço. Rídiculo, não? Pois é, mas o cenário na indústria de software não é muito diferente com esta questão das patentes. Não consigo de deixar de terminar esta triste história com um episódio cómico que aconteceu há bem pouco tempo que ilustra o ridículo a que se chegou. A empresa X processa a empresa Y porque produz um tablet com um certo format muito parecido com o seu tablet que tem a sua forma patenteada. Os advogados da empresa Y contra-argumentam com um extrato do filme 2001 Odisseia no Espaço de Kubrik (anterior ao registo da patente) onde se vêem uma série de dispositivos computacionais claramente idênticos aos produtos das empresas X e Y. Se não fosse trágico o dinheiro e tempo que se gasta com estes joguinhos, isto até seria um episódio cómico.