Oscar Afonso, Visão on line,
Como temos vindo a referir em crónicas anteriores, a economia que não é contabilizada no cálculo do produto interno bruto constitui a Economia Não Registada (ENR), sendo composta por diversas rubricas, nem sempre com fronteiras bem claras entre si.
A economia subterrânea, por exemplo, corresponde ao produto que se furta à contabilização por razões dominantemente fiscais. Por sua vez, a economia ilegal corresponde ao produto que não é contabilizado porque resulta de actividades ilegais, pelos seus fins ou pelos meios utilizados. Por outro lado, a economia informal e o auto-consumo correspondem a produto criado por actividades essencialmente associadas a uma estratégia de melhoria de condições de vida das famílias ou sobrevivência. Finalmente, há ainda a rubrica marginal relativa ao produto não contabilizado por deficiências da estatística. Sendo clandestina e incluindo muitos procedimentos ilegais não pode ser calculada directamente. Não há portanto informações, estatísticas, compiláveis sobre ela. Por isso, há que proceder por estimativa, utilizando metodologias perfeitamente justificadas e metodologicamente correctas. A metodologia utilizada pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) recorre a justificados e testados modelos matemáticos e, ao focar a sua atenção mais fortemente sobre a economia que se furta à contabilização por razões dominantemente fiscais (face à disponibilidade de dados existentes), subavalia o peso da ENR (sobra ou paralela) na economia oficial.
A estimativa de um valor da ENR não tem o rigor milimétrico ao calcular o seu montante num ano, mas tem-no quando se mede a evolução havida. Em Dezembro de 2010, o OBEGEF apresentou o andamento do peso da ENR em Portugal, desde 1970 até 2009. No passado dia 16 de Janeiro, actualizou os valores para o ano 2010, último ano para o qual é neste momento possível o cálculo. Os valores constantes da Tabela 1 e da Figura 1 mostram que, exceptuando o período 1977-1982, há uma tendência de aumento desde o início do período considerado e que em 2010 voltou a aumentar, passando de 24,2% para 24,8% do produto interno bruto oficial. Como principais causas desse incremento de 2,5% num só ano salientam-se os aumentos na taxa de desemprego, no consumo do Estado e na carga fiscal, nomeadamente nos impostos indirectos (IVA).
Figura 1 – Peso da ENR no Produto Interno Bruto oficial
Note-se que para garantir a comparabilidade dos dados o produto interno bruto de referência foi calculado com base nos preços em vigor num dado ano fixo, tendo sido considerado como base o ano de 2000. Podemos assim dizer que a ENR em 2010, a preços de 2000, rondou os 32183 milhões de euros e a preços correntes rondou os 41540 milhões de euros. Para se ter uma ideia da grandeza destes números, atente-se no facto de que:
Um milhão de euros em notas de 100€ teriam uma altura de vinte centímetros. 32183 milhões correspondem a uma pilha de 6,4 quilómetros de altura de notas de 100€, e 41540 milhões formariam uma pilha de 8,3 quilómetros de altura de notas de 100€;
O valor oficial do peso do défice do orçamento geral do estado no produto interno bruto foi, em 2010, de 8,6%. Se não houvesse ENR, admitindo uma carga fiscal média de 20% sobre esse valor, o défice teria sido de apenas 2,9% do PIB.
Adicionalmente, os cálculos do OBEGEF em termos sectoriais presentes nas Figuras 2, 3 e 4 evidenciam ainda que, no computo do período 1998-2010, a ENR na Agricultura e nos Serviços tem revelado uma trajectória ascendente, enquanto na Indústria, provavelmente devido à desindustrialização, a trajectória tem sido descendente.
Figura 2 – Peso da ENR no Valor Acrescentado Bruto oficial na Agricultura
Figura 3 – Peso da ENR no Valor Acrescentado Bruto oficial na Industria
Figura 4 – Peso da ENR no Valor Acrescentado Bruto oficial nos Serviços
Naturalmente que perante um peso tão significativo, em Portugal a concorrência entre agentes económicos em geral e entre empresas em particular está distorcida, obrigando os cumpridores a contribuições adicionais. Por sua vez, as receitas fiscais ficam aquém do esperado, impedindo a realização de importantes tarefas por parte do Estado; por exemplo, o investimento público e a redistribuição do rendimento ficam condicionados. Finalmente, a incerteza na estabilização da economia aumenta, porque os agregados macroeconómicos estão enviesados, conduzindo a decisões de política desajustadas e, nessa sequência, a eventuais efeitos económicos inadequados.
Neste contexto, creio que é dever cívico de todos contribuir para a eliminação ou, pelo menos, para a redução do peso da ENR, nomeadamente das rubricas economia subterrânea e ilegal.