Henrique Santos, Visão on line,

Nem sempre os bons exemplos vêm de cima, mas, de quando em vez, eis algum que nos dá mesmo jeito. Descobri uma missiva que ainda não chegou à comunicação social, e aproveita-a logo. Não digo quem ma forneceu, nem quem são o remetente e o destinatário, mas fica o essencial, o resto está em segredo… de justiça.
“Olá Pedro,
Espero que esta carta te vá encontrar bem a ti e aos teus. Nós, aqui pela terra, cá vamos andando na ordem do costume. Pelo que vejo na televisão estás um pouco cansado, mas parece-me bem tudo o que tens feito. É a crise, bem sei! Até eu, que já me reformei há uns anitos, estou a levar no pêlo.
Lembras-te quando andávamos na escola e eras o sabichão? É com orgulho que agora vejo o meu coleguinha nos corredores do poder, nos corredores não, corrijo, mesmo no poder. Ao menos assim sei quem manda no meu dinheiro (pronto estava a brincar!). Sei que não é fácil estar desse lado, mas olha que deste, se continuas assim, ainda tenho de voltar a trabalhar, e não me apetece nada.
Nesta época de Natal escrevo-te sempre um postalzito, mas como não encontrei nenhum à venda com fabrico em Portugal, resolvi recorrer a uma simples carta, escrita na máquina de escrever HCESAR, que é portuguesa! (lembras-te das aulas de dactilografia, que risota!). Telefonar-te também não posso, pois telefone fixo não tenho, e o raio dos telemóveis são todos estrangeiros… Eu bem tento seguir as recomendações do teu Governo, mas isto não é fácil. Tenho uma vizinha que até brinca: “Oh vizinho para que está tão preocupado em comprar coisas portuguesas quando até o nosso dinheiro é lá das Europas?” (Tão engraçada este senhora!)
Não me queria alongar nesta carta, mas sabes, nestes últimos dias fiquei um pouco preocupado com o que ouvi. Tenho dado umas aulitas na Universidade Sénior cá da terra (eh eh, aqueles velhotes todos são muito simpáticos, eu sou o mais novo que por lá anda), e puseram-me a dar umas aulas sobre gestão/economia. Não percebo muito, mas como sabem que tenho formação e experiência na área, lá fui estudando, e no último ano tentado fazer o melhor que posso. Ora então não é que um aluno me confrontou com um problema que eu próprio fiquei um pouco preocupado e sem reposta na hora (pois eles sabem que eu te conheço e até gozam comigo se não me arranjas um emprego. Enfim,… bem lhes explico que sou reformado, mas eles são uns brincalhões…), mas adiante…, um deles, ao ler a notícia que tinhas anunciado (aquela em que falavas que havia um excedente de dois mil milhões de euros, lá por causa do fundo de pensões da banca), perguntou-me se isso não seria manipulação de resultados, como os gestores das grandes empresas fazem (os cães grandes, como eles dizem).
Olha que não foi nada fácil explicar-lhe. Até eu fiquei a pensar duas vezes: “Será que o grande Pedro se pôs para aí a dizer que teve resultados excedentários para ficar bem na fotografia, e depois quem vier no futuro lá resolve o problema da responsabilidade assumida pela transferência do fundo de pensões da banca?”, pensei eu. E isto entre outras questões. Mas logo vi que não era bem assim…
Quando te ouvi naquela entrevista fiquei muito mais descansado, se estivesses a agir como um manipulador de resultados não vinhas para a rua justificar o desvio, simplesmente dizias que tínhamos um resultado extraordinário muito bom, e nada mais explicavas. E foi nesta perspectiva que lá convenci os alunos da tua bondade, frisando que podias muito bem estar caladinho, aplicar o dinheiro nas necessidades mais prementes e nada dizeres. Mas não, tiveste a coragem de vir a público deixar tudo claro, expor e justificar. Estou mesmo muito orgulhoso de ti. Mas cuida bem do meu fundo, eu também tenho uma reformita de um banco,…e bem bastam as acções que comprei desse banco em que trabalhava estarem com uma cotação tão baixa, que talvez já não recupere novamente o dinheiro.
Bem, não te quero maçar mais, só te quis dar aquele alerta da manipulação de resultados, porque isso, nas empresas, pode trazer consequências bem nefastas, como sabes. O problema do gestor tentar ter excelentes resultados pode não significar que a empresa esteja bem ou no bom caminho, e se ele sabe que vai ser substituído, então…E às páginas tantas ainda aparece por aí um comentador da TV a chatear-te com isto, isto sem falar da oposição…
Vou mesmo despedir-me de ti, não sem antes te deixar um forte abraço de Festas Felizes, e que o próximo ano te traga os maiores sucessos. Também não posso ficar a escrever muito mais tempo… por causa do preço da luz e do IVA, aqui a minha mulher adaptou a iluminação com umas lamparinas a azeite (lembras-te daquelas que se usavam para alumiar os santos!), e apesar de tantas oliveiras que temos em Portugal, o raio de grande parte do azeite é espanhol ou italiano…enfim, não percebo. Ela também exagera nesta coisa da luz porque nem pagamos muito (ela é funcionária da EDP), mas diz que tem de dar o exemplo. Um dia destes vai gastar tão pouca luz, tão pouca luz, que a EDP ainda lhe vai pagar a ela mensalmente pela luz que não gasta!
Eu sei que sou sempre um brincalhão e exagerado, mas com tantas coisas sérias que tens para resolver, achei que te devias animar um pouco ao fim do dia com a minha carta. Quando vieres cá não tragas o teu amigo Dr. Gaspar, senão ainda me “limpa a horta”, anda tu e a família, para uma boa patuscada. LOL (como diz o meu neto).
Um grande Abraço do teu amigo brincalhão,”
Notas:
O objectivo de trazer a público esta carta é justamente conseguir que todos possamos criar um espírito crítico construtivo em torno das questões económicas, que não dominamos, mas que, de forma mais descontraída, facilmente conseguimos assimilar (quiçá ainda trouxe mais confusão!). Mas esse é o espírito, obrigar à investigação, à pesquisa, à procura, só assim seremos capazes de ter uma opinião própria e de compreender a decisão dos outros.
Se alguém levantar uma questão sobre a missiva, nem que seja para dizer que o que lá consta não é, nem nunca foi “manipulação de resultados”, já valeu a pena.
Peço desculpa ao Primeiro-Ministro por ter de publicar uma carta a ele dirigida, mas, de momento, era a melhor forma de conseguir os meus objectivos.
(Pronto assumo, a carta é falsa!)