José António Moreira, Visão on line,
1. Um recente inquérito de opinião promovido pelo Banco de Portugal veio comprovar aquilo que já se adivinhava, mas que a conjuntura económica favorável que se viveu até há poucos anos não tinha permitido ver em toda a sua crueza: que há muitos portugueses incapazes de fazerem “contas à vida”. Tendo em consideração o elevado endividamento médio das famílias, esta incapacidade deixa antever que muitas estarão hoje insolventes, ou quase, por não terem, no momento certo, sabido discernir as reais consequências das decisões financeiras tomadas. Eis dois dados desse inquérito que corroboram o que se acaba de referir: 40% dos portugueses não compara, ao contratar um crédito à habitação, as taxas de juro de forma a optar pela melhor; na hora de escolher, 41% dos consumidores opta pelo crédito que oferece o valor mais baixo da prestação mensal.
2. Na semana em que escrevo, o Ministro das Finanças, questionado a propósito do montante de juros que o país vai ter de pagar se usar, na totalidade, o empréstimo da troika, no montante de 78000 milhões de euros, respondeu: 34400 milhões de euros. Nesse dia e no seguinte os media fizeram manchetes com o número, nalguns casos acrescentando que esse montante representava cerca de 44% do valor do empréstimo.
3. A saliência exagerada dada ao montante do empréstimo e àquela percentagem (sem sentido financeiro), ofuscaram tudo o resto. De pouco valeu que o ministro tivesse, na altura, fornecido informação sobre as taxas de juro que os montantes tomados de empréstimo venciam, oscilando entre 4 e 5 por cento. Ninguém deu saliência a esse detalhe. Tão pouco foi tido em consideração, nos comentários produzidos, que o empréstimo se estende no tempo, ocorrendo o respetivo reembolso entre os sete e os doze anos. Ficou meio mundo, se não mais, escandalizado. Os impropérios choveram, de modo particular nos “blogs” dos media, onde os visitantes aproveitaram para “cavalgar a onda” e deixarem insultos a eito. Não escapou ninguém, da troika ao governo, da união europeia aos banqueiros. Quanta iliteracia financeira nesses comentários! Poucos, muito poucos, foram os que tiveram em consideração um dos fundamentos básicos do cálculo financeiro: subjacente ao juro pago por um empréstimo está, sempre, o montante de capital subjacente a esse empréstimo e um prazo temporal. Quanto maior for cada uma destas determinantes maior será o montante do juro a pagar.
4. Julgo que os media podem ter um papel relevante na educação financeira dos cidadãos. Não necessariamente quando se limitam a “lançar números”, sem os enquadrar e explicar. Quantas interessantes manchetes poderiam ter feito nos últimos anos com os números da dívida pública … que teriam ajudado o comum dos cidadãos a ter uma maior consciência do caminho (errado) que o país estava a percorrer. Por exemplo, nos anos de 2009 e 2010 a dívida pública cresceu cerca de 20% do total da riqueza produzida no país anualmente (o PIB), o que em termos monetários representou mais de 33000 milhões de euros. Supondo uma taxa de juro média de 5% e que o país demorará 25 anos para liquidar esse montante (o que é uma previsão temporal otimista), os juros que se terão de pagar por esse acréscimo, em termos globais, ascenderão a mais de 41000 milhões de euros. Juros, só. Para além disso, ter-se-á, sempre, de reembolsar o capital tomado de empréstimo.
5. Só mais um número, este bem atual. O orçamento para 2012 contempla, para pagamento de juros respeitantes a esse ano, mais de 8000 milhões de euros. Para se ter uma melhor ideia da grandeza deste número, acrescenta-se que ele representa cerca de 5% do PIB; é igual ao total das despesas com pessoal do Estado; é superior ao gasto previsto com a saúde; ultrapassa o gasto com a educação em mais de 1200 milhões de euros. Um número avassalador, sem dúvida. Tão mais avassalador quanto se pense que: i) a menos que a taxa de juro baixe (e a tendência parece ir no sentido contrário); ii) ou que se consiga reduzir o montante da dívida, o que parece ser difícil (as “joias da coroa” do universo empresarial público já foram vendidas; não se antevê crescimento económico substancial e a cobrança de receita fiscal está nos limites do suportável), o país vai ter de conviver com o pagamento anual desse montante “ad aeternum” ou, pelo menos, durante um prazo a perder de vista.
6. Por mais que procure explicações, por mais atenuantes que tente alinhavar, não consigo perceber como foi possível que os nossos governantes – os políticos e os tecnocratas do Banco de Portugal – permitissem que o país chegasse a este ponto de (quase) sem retorno. Qualquer procura de explicação deixa de fazer o mínimo sentido quando muitos desses governantes que, por ação ou omissão, contribuíram para lançar o país no abismo financeiro em que está mergulhado, continuam a afirmar, por estas ou outras palavras de idêntico teor, que “há vida para além do défice” ou de que “não podemos ceder ao economicismo”.
7. Negação da realidade? Iliteracia financeira? Eu sei lá como definir tais comportamentos.