Oscar Afonso, Visão on line,

Terminei a minha última crónica a referir que me entristecia o aparente desinteresse pelo tema Economia Sombra da população em geral e dos governantes (pelo menos nos últimos anos) em particular. Creio que o tema é demasiado sério para que assim seja. E é ainda mais sério no contexto actual em que há que conjugar o previsível aumento da dimensão da Economia Sombra, nomeadamente face ao aumento da carga fiscal e do desemprego, com a necessidade de recursos “oficiais” adicionais.
Todas as actividades económicas englobadas no chapéu Economia Sombra devem ser combatidas porque distorcem a economia oficial e, assim, contribuem para uma sociedade menos justa e menos competitiva. Mesmo as actividades aparentemente toleráveis em que indivíduos ou famílias operam na componente informal da Economia Sombra como forma de aumentar o reduzido rendimento. Com efeito, sendo esse rendimento não declarado, esses agentes podem ter acesso a prestações sociais a que não teriam direito, prejudicando assim quem paga e quem realmente precisa. Os primeiros porque terão de pagar mais e os segundos porque irão receber menos.
Mais grave ainda é a Economia Sombra praticada por agentes detentores de rendimentos significativos, envolvendo montantes muito expressivos. Trata-se, neste caso, de operações ilegais e ocultas que contribuem directamente para o aumento da desigualdade entre ricos e pobres, permitindo-se ao infractor uma vida mais sumptuosa. Além disso, a não cobrança de impostos devidos limita o investimento público, baliza a redistribuição a favor dos mais pobres e distorce a concorrência.
Na ausência ou insignificância de Economia Sombra, as empresas, porque operam na economia oficial, tendem a investir recursos para evitar lucros (e impostos) anormais. Neste caso, a sua competitividade é assegurada pela sua permanente modernização. Pelo contrário, na presença de um nível proeminente de Economia Sombra, não há necessidade de reinvestir lucros para evitar impostos; os recursos são facilmente desviados para uso pessoal dos proprietários e as empresas vão sendo cada vez menos competitivas. Mais cedo ou mais tarde estas empresas acabarão falidas e haverá desemprego (quantas são as empresas falidas de donos ricos!).
Embora em diversas crónicas anteriores tenha abordado as causas do aumento da Economia Sombra, gostaria hoje de enfatizar duas: fiscalização insuficiente e carga fiscal. Relativamente à primeira, gostaria de referir que a inexistência de recursos humanos especializados nas repartições de finanças impede o controlo de uma série relevante de declarações entregues pelos contribuintes. Essas análises, que forçosamente deveriam passar por entrevistas, teriam certamente um efeito dissuasor que hoje não se verifica. Além disso, o recrutamento de pessoal teria ainda um efeito positivo sobre o emprego. Actualmente, o processo de controlo é informático, via cruzamento de dados, o que significa que praticantes de Economia Sombra em, por exemplo, 40% da sua actividade podem apresentar lucro médio nos restantes 60% de actividade que, dificilmente, terão problemas!
Por sua vez, uma elevada carga fiscal, conjugada com legislação inadequada / ausência de legislação, significa menores benefícios líquidos e, portanto, aumenta o incentivo dos agentes para operar no âmbito da Economia Sombra. Tal provoca menor receita fiscal e tende a gerar novos aumentos da carga fiscal. O combate à Economia Sombra é assim crucial para provocar o efeito inverso. Menos Economia Sombra permite baixar a carga fiscal, que, por sua vez, contribui ainda mais para a diminuição da Economia Sombra: com uma carga fiscal inferior mais contribuintes estarão disponíveis para pagar.
Sendo um fenómeno complexo e em constante mutação, penso que a sua solução exige a conjugação de várias medidas no campo da legislação. Desde logo,
(i) a implementação do crime de “enriquecimento ilícito”. Em minha opinião, nunca será possível reduzir a Economia Sombra para valores controláveis sem legislação que obrigue o contribuinte a explicar eventuais disparidades entre os seus “sinais exteriores de riqueza” e os valores declarados, com medidas punitivas severas para prevaricadores.
(ii) o desenvolvimento de formas de incentivo para que os consumidores exijam facturas/recibos das suas despesas (via devolução de uma percentagem do IVA pago, por exemplo).
(iii) a exigência de que todos os “orçamentos” e tabelas de preços incluam o valor total do bem ou serviço com IVA, evitando-se assim que na hora de pagar o comprador seja confrontado com a frase “com factura o valor ainda inclui IVA”.
(iv) a publicação (na internet, por exemplo) do rendimento bruto declarado de todos os contribuintes. Esta medida teria um efeito dissuasor pois permitiria que actividades semelhantes se pudessem comparar e provocar denúncias de Economia Sombra por parte de concorrentes.
(v) a necessidade de que todas as empresas tenham efectivamente contabilidade informatizada e certificada. Supletivamente esta medida criará novos postos de trabalho.
(vi) que, em particular, na construção civil seja obrigatório, no acto de entrega de obra, declarar nas finanças todas as despesas orçamentadas e os números de identificação fiscal de vendedores e prestadores de serviços. No caso de obras financiadas com “crédito bancário”, os bancos seriam obrigados a efectuar entregas mediante apresentação de facturas e directamente nas contas dos fornecedores.
(vii) a criação de empresas especializadas de fiscalização, devidamente certificadas e com pessoal formado para o efeito. Naturalmente que o contribuinte teria sempre oportunidade de recurso e, em caso de fundamento, a empresa fiscalizadora poderia ser punida e prejudicada em concursos posteriores.
Trata-se, enfim, de algumas/poucas medidas que assumidas com coragem permitiriam contribuir para uma sociedade melhor, mais justa e solidária.
(Agradeço o contributo do meu conterrâneo e amigo David Fernandes para o conteúdo desta crónica.)