Paulo Vasconcelos, Visão on line,

A formação dos preços dos combustíveis em Portugal tem levantado enormes discussões, em particular após a liberalização dos preços e, sobretudo, em períodos de aumento da matéria-prima. A sua formação reflecte os preços internacionais, os impostos e, embora numa parte menor, a logística e o retalho.
Uns argumentam que o elevado preço dos combustíveis é inevitável atendendo ao custo da matéria-prima e à elevada carga de impostos. Com este discurso querem fazer esquecer as componentes de refinação, distribuição e retalho. Sendo verdade que Portugal é dos países que mais recebe dos combustíveis por aplicação do ISP (Imposto Sobre produtos Petrolíferos) e IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), a discussão deve centrar-se no preço antes de impostos. A carga fiscal é responsável por mais de metade do preço pago e é, por isso, muito elevada, mas também o é nos outros países da União Europeia (UE). No entanto, o preço dos combustíveis antes de impostos em grande parte dos países da UE tem sido inferior ao preço em Portugal.
Ora a formação dos preços tem que reflectir os preços a montante e a jusante da exploração.
Os preços a montante da refinação estão elevados, e são elevados para todos os países da UE. Há quem argumente que sendo Portugal um país periférico, a parte de transporte será mais cara! As nossas refinarias estarão muito mais longe das áreas de exploração petrolífera que as demais na Europa? Não me parece, pelo menos em ordem de grandeza que justifique impacto significativo no preço final do produto refinado.
A jusante há os custos de refinação, distribuição (armazenagem e transporte) e margens de retalho.
Em períodos de aumento de matéria-prima, uma boa gestão dos stocks permite grandes margens, pois o preço à saída da refinação é formado com o valor da matéria a preços actuais e não aos preços de aquisição. Quando o preço nos mercados desce, o “truque” é fazer reflectir essa diminuição mais lentamente. A margem na refinação tem aumentado, contribuindo também para o aumento do preço final. Poderiam as petrolíferas (ou a petrolífera), sem prejudicar a sua função de produzir dividendos aos seus accionistas, ter em linha de conta a conjuntura do país e fazer um esforço para refrear a procura pelo maior lucro possível? Creio que sim. Há aqui margem para baixar os preços? Parece que sim.
A quase totalidade dos combustíveis comercializados em Portugal é refinada no País e, atendendo à sua dimensão territorial, o custo de transporte em território nacional não pode ser significativo; ao que acresce, e correctamente, a divisão geográfica das duas refinarias (de Sines distribui-se para as zonas centro e sul, e de Leça da Palmeira para a zona norte), assim como o oleoduto que liga Sines a Aveiras. Combustíveis mais caros e custo elevado em portagens poderão ter alguma influência no preço final? Talvez, mas muito residualmente. Em Janeiro de 2011 a importação de gasolinas, face ao mês homólogo do ano passado, aumentou quase 20% e a de gasóleos rodoviários 500% … (dados do Boletim mensal 3-2011 - Estatísticas de Combustíveis Líquidos, Autoridade da Concorrência). Estará o mercado a reagir? Oxalá!
No retalho assiste-se, embora de forma lenta, a alterações importantes. Surgem com impacto crescente uma rede de postos brancos de hipermercado. Está-se ainda muito aquém em relação ao que se passa, por exemplo, em França, mas o seu sucesso conduziu já à que a petrolífera dominante lançasse uma equivalente, oferecendo, segundo a própria, combustíveis não aditivados e serviços elementares. Mas será que temos de pagar combustíveis mais caros para ter uma loja de conveniência na estação? Claro que não, até porque a loja é ela própria um negócio que dará os seus proveitos. Parece então haver também aqui margem para reduzir o preço. Os postos brancos vendem mais barato e as marcas de “bandeira” fazem promoções em combinação com outros produtos e serviços, revelando-se, deste modo, que preços mais baratos são possíveis. A afixação de preços nas auto-estradas é um falhanço total; os preços são sempre iguais ou variam ridiculamente. Terá sido uma medida importante de transparência? Não. Gastou-se tempo e dinheiro nos trabalhos conducentes às recomendações, em sinalética, e mais uma vez a implementação da medida é inconsequente. Na verdade serviu apenas para beneficiar a(s) empresa(s) responsáveis por esses trabalhos!
Creio que o grande problema está no facto de não haver verdadeira concorrência em Portugal. Apenas quatro petrolíferas dominam a quase totalidade do mercado nacional e apenas uma refina no território. Portugal é um mercado demasiado pequeno para que mais petrolíferas surjam; antes pelo contrário, tem-se assistido à sua saída. Atendendo à escalada nos preços dos combustíveis, há já quem defenda mais estudos, estudos independentes sobre a formação dos preços, invocando mau funcionamento da Autoridade da Concorrência; há quem invoque a urgência de regulação. Há quem pretenda que se volte a fixar administrativamente os preços. Lá estamos nós, os portugueses, no meio-termo. Ou se fixa e não há concorrência (pelo menos do ponto de vista do utilizador final) ou há concorrência (que não há, já que o mercado não opera em concorrência perfeita) e o mercado tem de funcionar. Como não há concorrência e fixar preços é “old-fashioned”, ficamos neste marasmo. Uma empresa ter uma posição dominante não é ilegal, o que não é permitido é a empresa abusar dessa posição e as entidades competentes assobiarem para o lado. Depois “é o português que é traiçoeiro”! Como é possível discernir objectiva e inequivocamente a diferença? Não é.