Oscar Afonso, Visão on line,

No passado dia 9 de Dezembro o Observatório de Economia e Gestão de Fraude anunciou o índice de Economia Sombra (ou Não-Registada) em Portugal. De acordo com os valores apresentados o peso da Economia Sombra no Produto Interno Bruto (PIB) oficial, em Portugal, evoluiu desde os 9.3% em 1970 até 24.2% em 2009. Disse-se também na altura que, embora a evolução crescente esteja certamente correcta, os valores concretos estão subavaliados, porque o fenómeno é complexo, está em constante desenvolvimento e engloba rubricas muito diversas (produção ilegal, produção não declarada / oculta / subterrânea, produção informal, produção para autoconsumo e produção subcoberta por deficiências da estatística). A produção ilegal, por exemplo, dificilmente estará correctamente avaliada nos valores estimados.
Numa crónica passada (datada de 15 de Abril de 2010) dei conta das consequências da Economia Sombra e, por conseguinte, das razões porque deve ser combatida. Não pretendo, por isso, repetir-me. No entanto, tendo em conta o actual contexto macroeconómico da Economia Portuguesa, não consigo deixar de (re)afirmar que, na ausência de Economia Sombra (ou num nível semelhante ao existente nos países nórdicos, Estados Unidos, Áustria e Suíça), provavelmente o peso do défice no PIB estaria a um nível compatível com o requerido pela União Europeia. Com efeito, menos Economia Sombra significaria mais economia oficial – mais PIB, portanto – e mais economia oficial significaria maior receita fiscal.
Sendo o seu combate tão importante no contexto actual, coloca-se então a questão: como deve ser combatida? Para melhor compreender a forma há que ter em conta as respectivas causas. Genericamente são identificadas como causas principais do seu crescimento, factores inter-relacionados como: o aumento da carga de impostos e das contribuições para a segurança social; a crescente regulamentação da economia oficial; o desemprego; as transferências sociais; os serviços do sector público; o baixo nível de capital humano da economia; a mão-de-obra composta por imigrantes ilegais e clandestinos; a falta de cultura e participação cívica; razões culturais e ambientais; a falta de credibilidade de órgãos de soberania face à conduta de alguns dos seus representantes; a ineficiência da Administração Pública e falta de transparência no atendimento público; as condições de mercado induzidas pela globalização dos mercados e da produção; o progresso tecnológico; a baixa produtividade. Também o aumento das fraudes, a importância das praças financeiras offshore, a empresarização da sociedade e a influência das máfias internacionais. A corrupção também contribui para a formação da Economia Sombra, mas a relação entre ambas ainda não está esclarecida de todo na literatura, nomeadamente quanto à sua complementaridade e substituição. A literatura económica existente sobre o assunto sugere que, particularmente, para o crescimento da produção subterrânea e do trabalho ilícito, são dois os grupos de causas dominantes: os impostos directos e indirectos (carga fiscal e contribuições para a segurança social) e as restrições (leis, licenças, regulamentação e barreiras).
Todas as medidas que contrariem as suas causas deveriam pois ser consideradas pelas entidades competentes. Pessoalmente, considero que, para além de todas as medidas que contrariem as causas, há algumas medidas adicionais que podem e devem ser consideradas. Deixo por hoje dois exemplos: (i) a formulação do crime de enriquecimento ilícito, punindo fortemente o agente que adquirir bens em manifesta desconformidade com os rendimentos fiscalmente declarados e sem que se conheça outro meio de aquisição lícito (medida que, em minha opinião, teria forte impacto na redução da produção ilegal e subterrânea e que, sinceramente, estranho que não esteja implementada); (ii) devolução de um determinado valor do IVA suportado (1%, por exemplo) a quem introduzisse o valor e o número do documento de suporte numa plataforma (por exemplo, no sítio do Ministério das Finanças). Neste caso, aumentava o incentivo dos consumidores para exigir facturas em pequenas transacções (medida que, em minha opinião, afectaria negativamente a economia subterrânea e ainda alguma informal).
Entristece-me o aparente desinteresse da população em geral e dos governantes em particular pelo tema. No caso destes últimos, tal manifesta-se no facto de não se vislumbrarem medidas / acontecimentos com impacto positivo ao nível da sua diminuição. Entristece-me ainda saber que, face ao aumento da carga fiscal e do desemprego, seja de esperar um (novo) aumento da Economia Sombra; em suma, que, por esta via, seja dado um previsível contributo para o agravamento do défice!