Carlos Pimenta, OBEGEF

 

A melhor maneira de combater a fraude (e a corrupção) é acabar com um organismo oficial e independente visando esse objectivo... dizem os cínicos.

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Reconhecendo que a fraude (incluindo a corrupção) está presente em múltiplas dinâmicas da sociedade, há que encontrar a forma institucional de a considerar. Uma hipótese é diluir o seu combate por múltiplas instituições; a outra, não pondo essa preocupação generalizada é criar uma instituição centrada sobre esse objectivo.

Defendemos que se justifica, em cada país, uma instituição que se ocupe especifica e sistematicamente da fraude, tratando-a e combatendo-a de uma forma multifacetada e integrada. Isto é,

  • recolha de informações junto de diversas instituições sobre as fraudes praticadas (exemplos: tribunais, magistrados e polícias; especialistas da fraude, auditores e outros profissionais; instituições privadas e públicas);
  • apoio às vítimas de fraude, contribuindo para a resolução de situações sociais prementes e permitindo, simultaneamente, um conhecimento mais detalhado das dinâmicas defraudadoras;
  • trate cientificamente essa informação contribuindo para uma mais eficaz política de detecção e prevenção;
  • forneça essas informações a todos quantos dela necessitam para o exercício das suas actividades profissionais e de forma a intensificar a vigilância cidadã perante tais perigos.

Há justificações bastantes para uma redobrada atenção sobre a fraude. E se tal comporta custos no imediato, estes são magistralmente pagos pela redução, relativa e absoluta, da própria fraude:

  • a fraude e as actividades ilegais da economia não registada tendem a assumirem-se como «normais» numa sociedade com anomia e degenerescência ética;
  • há uma espiral de ampliação desses cancros sociais pela importância que já assumem. pelo efeito de propagação que arrastam, pelo envolvimento de organizações criminais transnacionais;
  • a condescendência e o apoio por sectores nevrálgicos da política e da economia, resultado do entrelaçamento entre a criminalidade e as elites sociais, põem em causa a sobrevivência de valores fundamentais da vida em sociedade, expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, incluindo a liberdade;
  • o combate contra à fraude não pode ser obra apenas das entidades legislativas e repressivas, condicionadas por conflitos de interesse; exige a sensibilização, conhecimento e actuação de todos os cidadãos.

Basta repararmos como essas elites transferiram, após a crise de 2008, o pagamento das suas fraudes para os cidadãos de todo o mundo para percebermos o abismo em que nos encontramos.

Enfim, o que está em causa é o reconhecimento de que a fraude económico-financeira é uma grave ameaça criminal, económica, política, cultural e ideológica que, nas últimas décadas, tem conhecido uma tendência automática de aumento, que há um crescente entrosamento entre a criminalidade organizada, os negócios lícitos e a actividade política.

O assalto à mão armada e outros crimes de rua podem gerar mais receios mas são as fraudes (assim como o terrorismo) que são capazes de pôr em causa os alicerces da nossa sociedade, incluindo a democracia efectiva que (quase) todos amamos.

A National Fraud Autority, organismo oficial do Reino Unido criado em 2008, foi durante alguns anos um exemplo deste tipo de actividade, assente numa vasta e operacional rede de entidades. Responsável por proteger a sociedade da fraude, tornou-a visível e atacável, promoveu uma acção informativa e formativa abrangendo todos os interessados. Para tal era uma instituição autónoma e independente, nomeadamente em relação à investigação criminal (que aproveitava sobejamente da sua actividade). Mas em Março de 2014 encerrou por deliberação política, sendo desmembrada por diversos organismos.

Como se pretende fingir que o que parece é, declara-se em documento oficial sobre o seu encerramento que tal foi projectado para fortalecer a política governamental contra a fraude. Não nos espanta: assim como «se facilita o despedimento para aumentar o emprego», assim como «se comentem vilanias a bem do País», também «se deixou de encarar de frente a fraude para a combater mais adequadamente».

Ironias dos tempos que vamos vivendo, mas que não podemos aceitar.