José António Moreira, Visão on line,

 

 Volkswagen: em nome da decência, por favor, faça-se justiça!

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1.Houve tempos em que trabalhei como auditor interno numa instituição financeira. Entre as minhas funções estava o levantamento de casos de fraude cometidos por funcionários. Tais fraudes obedeciam a um certo padrão. O funcionário em causa, geralmente trabalhando como caixa, apropriava-se de fundos à sua guarda para fazer face a gastos pessoais “inesperados”. Por exemplo, gastos relacionados com dívidas de jogo. Começando em geral por valores irrisórios, a fraude ia crescendo até ser descoberta. Nessa altura, os montantes eram já consideráveis, mas sempre imateriais face à dimensão da instituição. Aos auditores (inspetores) competia fazerem o levantamento da situação e, sobretudo, reunir provas que pudessem servir de base à ação judicial a interpor com vista ao despedimento e ao ressarcimento dos danos. Foi nesse âmbito que pela primeira vez entrei num tribunal para participar num julgamento, como testemunha. Invariavelmente, fraude cometida levava ao despedimento e à obrigação de indemnização à instituição.2. O caso Volkswagen vai em crescendo, com mais e mais detalhes a virem a público. Há dias lia que o presidente da empresa havia abandonado o posto para se reformar, especulando-se sobre a possibilidade de lhe ser atribuído um pacote financeiro de mais de sessenta milhões de euros. Li e reli a notícia. Não dava para acreditar. Perguntei-me, e continuo a perguntar-me, como é possível que alguém jogue na roleta uma empresa responsável por mais de meio milhão de postos de trabalho diretos em todo o mundo, arriscando a base social e económica de milhões de pessoas, de cidades inteiras, e, perdida a aposta, se limite a sair porta fora com os bolsos recheados?

3. Uma qualquer relação comercial tem subjacente o equilíbrio nas contrapartidas a retirar por ambas as partes da mesma. Neste caso, a empresa, os seus acionistas, não podem colher essa contrapartida. Não por causa de um qualquer fortuito caso conjuntural, mas porque a administração, o presidente e a sua equipa, decidiu jogar uma partida de alto risco. A administração obteve a sua parte, traduzida em elevados bónus e prebendas que lhe foram sendo concedidos; os acionistas, para além do que já perderam, arriscam a perder muito mais à medida que a reputação da marca vai caindo no abismo.

4, Se o desfecho final for, como parece desenhar-se, a ausência de responsabilidade criminal para o ex-presidente da empresa, ainda adoçada por um prémio, então, decididamente, tenho de concluir pela ausência de Justiça. Pior, mesmo não querendo embarcar nas denominadas “teorias da conspiração”, terei de admitir que existe um qualquer poder obscuro que esmaga qualquer pequeno que, na sua humana fraqueza comete um delito de irrelevante materialidade, mas deixa incólumes, e até premeia, os poderosos que brincam a bel-prazer com a vida dos seus concidadãos.

5. Em nome da decência, por favor, faça-se justiça. Pelo menos desta vez! Para exemplo. Para que eu acredite.