Carlos Pimenta, OBEGEF

Os indícios não chegam para servir de prova em tribunal, aí procura-se uma causalidade que supera a certeza da ciência probabilística contemporânea. Mas aqueles são importantes para acautelar o futuro e detectar fraudes.

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1. Albertino Figueiredo (proprietário do grupo Afinsa) teve a amabilidade de expor a sua magnífica colecção de selos de Portugal numa prestigiada exposição internacional. Um dos júris ao vê-la desconfiou que alguns daqueles selos eram falsos e solicitou uma peritagem.

A peritagem não foi activada, o elemento do júri foi escorraçado pelos seus pares e pelos organismos, nacionais e internacionais, de filatelia. Como é que alguém se atrevia a colocar em causa tão prestigiada personalidade, condecorada pelo Presidente da República Portuguesa e pelo Rei de Espanha, com uma fundação que englobava na sua gestão antigos ministros ibéricos, principal financiador do coleccionismo de selos à escala mundial, promotor de uma cátedra na Universidade de Santiago de Compostela, filantropo reconhecido, proprietário de mais de uma centena de empresas na Europa e Estados Unidos, que soube valorizar os selos de tal forma que pagava a meio milhão de cidadãos juros, bastante mais elevados que a banca, em contrapartida da valorização dos selos?

Alguns anos mais tarde as suas empresas foram investigadas pelas polícias, tudo assentava num castelo de cartas, era mais um esquema de Ponzi, logo sem consistência. Foi julgado e condenado como arquitecto de uma grande burla, que atingiu centenas de milhares de ludibriados, uns ingénuos, outros aventureiros, todos gananciosos e desinformados.

2. Uma tese1 de mestrado estudou os rácios contabilísticos dos grandes bancos portugueses. Foram detectadas “diferenças de comportamento de determinadas rúbricas-chave de gestão bancária em bancos comerciais portugueses, (…) especialmente a partir de 2010 (…), que deveriam ter algumas semelhanças”. Já antes da derrocada do BES o seu autor alertava para o facto de algo não ir bem no reino daquele banco que representava 16% do activo, assim como do crédito liquido a clientes do total do sector bancário. Foram indícios totalmente desprezados, assim como o foram as declarações públicas de um engano contabilístico de só alguns milhões na contabilidade da instituição, de um esquecimento de pagamento de imposto pelo seu ilustre administrador ou dos dados comprometedores apresentados por seus familiares.

Como é que alguém se poderia atrever a colocar em causa tão prestigiada personalidade, avalisada pelas mais altas figuras do Estado português? Como duvidar da honestidade de um dos pilares da política económica de glorificação dos mercados e da vinda da troika? Já tínhamos assistido a essa timidez na avaliação das “guerras do alecrim e manjerona” no BCP, mas a memória para os amigos é muito curta.

3. Os indícios não chegam para servir de prova em tribunal, aí procura-se uma causalidade que supera a certeza da ciência probabilística contemporânea. Mas aqueles são importantes para acautelar o futuro e detectar fraudes. Como se diz na referida tese “o papel da supervisão é essencial, mas o não acesso a determinada informação ‒ designadamente o respeitante a operações com off-shores ‒ torna também esta tarefa difícil, mesmo para o supervisor. Daí a importância de se detectarem indícios que possam levar a um aprofundamento de análise em determinadas direcções específica” (73).

Para que um indício seja considerado e aproveitado pela Business Inteligence, utilizada na detecção de fraudes, é preciso que haja a lucidez dos inspectores e supervisores, que não se comportem burocraticamente “conforme a lei” e, sobretudo, que não se ofusquem com o brilhantismo social de potenciais criminosos das elites sociais e políticas.

 

NOTA:
1 “Earnings Management” na banca portuguesa ‒ os casos do BCP, BES e BPI, 2014, Ana Isabel Santos Maia, Faculdade de Economia da Universidade do Porto.