André Vieira de Castro, Visão on line,

Há um dever geral fiduciário de proteger todo e qualquer investidor?

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“Não me fazem ver que a luta é pelo meu país”
Tiago Bettencourt

A propósito de uma sucessão de invasões de balcões do Banco Espírito Santo, hoje Novo Banco, tem-se criado na opinião pública uma convicção generalizada de que há um dever geral fiduciário de proteger todo e qualquer investidor. Menos, muito menos, nos institucionais. Mas a toda a extensão nos particulares.

Pelas razões a que aludo abaixo, não posso subscrever esta teoria. Espero que o Concílio Pascal possa ajudar esses a perdoar-me!

Como parábola, que fica sempre bem num texto de opinião (é isso e estrangeirismos), começo por recordar um episódio recente da nossa novela futebolística. Há uns anos atrás assistimos a uma conferência de imprensa sui generis (estrangeiro mas latim…). O então presidente da comissão disciplinar da Liga de Futebol anunciava que, perante a sua própria admiração e consternação, se via forçado, aos olhos do regulamento vigente, a aplicar pesados castigos a dois atletas do Futebol Clube do Porto. Era com pesar que o fazia, e mais ainda, melodramaticamente que o comunicava. Mas a lei é a lei: dura lex sed lex!

Reconhecia que os castigos eram totalmente desproporcionais e disparatados face ao contexto (os atletas tinham respondido a provocações, num espaço exíguo, no estádio do adversário), mas que alternativas não lhe restavam.

Uns dias depois, numa crónica no jornal ABOLA, um juíz (penso que desembargador) escreveu um texto que me marcou até hoje. Dizia este juíz, a propósito do castigo e da sua comunicação, que quando ele tinha abraçado a profissão, o seu avô, também ele juiz de carreira e então jubilado, lhe terá confiado o seu maior ensinamento: “Sempre que tiveres que tomar uma decisão importante, recorda-te de tudo quanto o direito te ensinou e te diz. E compara com aquilo que decidirias se de direito nada soubesses e te guiasses apenas pelo bom senso. Se as decisões se afastarem muito uma da outra… desconfia da primeira!

Vem isto a propósito das Obrigações da Rioforte ou de outras entidades que faziam parte do chamado grupo GES, e que foram vendidas nos balcões do BES a clientes do Banco.

É sabido que, perante a pressão que tem sido feita pelos investidores, o Novo Banco está a estudar eventuais formas de apadrinhar este reembolso. Que o próprio SII – Sistema de Indemnização aos Investidores – tem sido pressionado para o fazer, equiparando a proteção desenhada para os titulares de depósitos a prazo com a garantia estatal adjacente. Que o Banco de Portugal tem sido instado e incomodado para alterar a sua posição de neutralidade e “assumir a responsabilidade”. Curiosamente parecem faltar nos cartazes empunhados pelos defraudados os principais responsáveis da situação.

Talvez porque esses não estarão em condição de pagar. E assim, há que incomodar e pressionar aqueles que, não sendo deles o dinheiro, acabem por ceder e promover o reembolso.

Pois deixo a minha opinião, citando o Tiago Bettencourt que já cedeu o título a esta crónica: “Eu não quero pagar por aquilo que eu não fiz”!

Eu, e tantos dos nossos leitores, já fomos vítimas do sistema. Eu já perdi muito dinheiro, na minha atividade empresarial e também pessoal, porque o meu devedor faliu. Ou despareceu. Ou não cumpriu, exigindo-me o terceiro o cumprimento do aval que eu tinha emprestado para mero conforto…

E nesses casos quem pagou? Eu.

O sistema não funcionou, o sistema permitiu que a insolvência, mesmo sendo dolosa, não tenha revertido em culposa aos olhos do Código Penal, porque seria ineficiente do ponto de vista económico investir nessa demanda. O sistema permitiu a total desnatação prévia do património do insolvente, em meu claro prejuízo e dos demais credores. O sistema não permitiu a reversão para o âmbito pessoal (são sempre pessoas por detrás da insolvente!) porque o ónus da prova é do credor e de difícil estabelecimento.

Mas o sistema judicial existe. Com as suas vicissitudes, com as suas imprecisões e sobretudo com as suas injustiças. Mas nunca com as suas conveniências.

É bom notar que quem comprou papel comercial da Rioforte (para dar o exemplo mais claro dentro do grupo GES) teve todas as condições para saber que:

  • a Rioforte era proprietária da ESSaúde, da ESViagens, da Tivoli Hotels & Resorts, da Herdade da Comporta, da ESProperty ou da Georadar, entre outras;
  • que o emitente não era o próprio BES, porque os papéis nada referiam a esse nível, o logotipo não consta nem do prospecto nem das obrigações;
  • que o prospecto inclui as necessárias Advertências, Fatores de Risco;
  • que é timbrado em papel da RIOFORTE – Investments, SA, com sede na Boulevard Royal, no Luxemburgo.

Contrariam-me alguns dizendo-me que as pessoas teriam condições para saber isso mas confiaram no seu mediador financeiro, no caso o BES, e por isso disso afinal não souberam.

Até posso aceitar como neutralizador de culpa própria, mas não como endosso da responsabilidade no pagamento para outra entidade.

Responderá a liquidação da sociedade emitente, como respondem nas outras centenas de milhares de processo de insolvência as massas insolventes perante os seus credores.

Mesmo que de nada soubessem (e depois de ver o perfil de muitas das pessoas é bem possível - admitindo que são mesmo aquelas as pessoas lesadas…), acho que assumir que teriam que perceber que algum risco estaria envolvido não é presunção bacoca.

Se o próprio Banco tinha aplicações (nomeadamente a prazo) a, digamos, 2% ao ano, se isso era a melhor taxa que o mercado oferecia, a melhor taxa que os amigos conseguiam noutras instituições, o que é que entenderam as pessoas quando lhes era oferecido um produto com o triplo da rentabilidade?! Que era a mesma coisa mas sob outro nome?!

Ou que tinham a oportunidade de arriscar um pouco mais, e até com algum chico-espertismo conseguir melhor que o vizinho?

Tenho toda a simpatia pelo prejuízo das pessoas, vítimas disseminadas e cuja perda representará, em alguns casos, a penúria total. Mas o prejuízo tem que ficar com quem arrisca, em caso de incumprimento do devedor. A excepção são os produtos bancários sem risco protegidos pelo SII. Accionem o devedor, reclamem na insolvência. Acusem criminalmente os responsáveis do emitente, façam providências cautelares e até impugnações paulianas para reverter os negócios de venda de património recente da entidade emitente. Tentem engrossar a massa insolvente, tentem considerar os tomadores das obrigações como credores preferenciais.

Mas não quero pagar por aquilo que eu não fiz.