Carlos Pimenta, OBEGEF

Não, não estamos a falar do HSBC que tanto foi noticiado nos últimos dias

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1. O banco, situado na Suíça, tinha funcionários comerciais em todo o mundo a angariar fortunas. Era indispensável para a sua rendibilidade. A concorrência era severa. Havia que mostrar a vantagem da sua instituição bancária em relação à concorrência. Se as futuras aplicações financeiras são um elemento influenciador, provavelmente não difeririam significativamente da concorrência. O bloqueio total contra qualquer intromissão ou bisbilhotice, contra qualquer detecção das origens da fortuna são um excelente cartão de visita. Promovem-no e dão provas. Até porque sabem que muitas das fortunas captadas resultam de actividades ilícitas. Que importa, tudo é dinheiro!

O silêncio constrói-se com engenho e arte. Aproveita-se a lei que defende o segredo bancário e montam-se grupos de pressão para pugnar pela circulação de capitais à escala internacional. Criam-se contas fantasmas, cuja única função é encobrir as verdadeiras e a sua efectiva propriedade. Empresas com sede em caixas de correio também apoiam tal desiderato. Filiais do banco num grande número de paraísos fiscais e acordos com outros parceiros permitem a rápida deslocação do dinheiro quando tal se afigurar necessário. Câmaras de compensação e de transferência sem registo das movimentações executadas ajudam. Aplicações financeiras e mecanismos automáticos de processamento completam a veloz e inócua deslocação das fortunas para outras instituições. Se for necessário realizar alguma declaração oficial há que garantir que o dinheiro já esteja lavado e que a tributação seja baixa. Os “testas de ferro” ‒ recorrendo a procedimentos legais, contratando pessoas para o fazerem e ainda através do roubo de identidade ou da burla ‒ dão o rosto, atrás dos quais se escondem os verdadeiros proprietários. A informática virtualiza e agiliza estes mecanismos, transferindo registos instantaneamente para qualquer parte, dificultando ao máximo o acesso aos registos efectivos.

A percepção bancária de que os bons clientes podem não ser honestos, leva o banco a construir um conjunto de cenários para conduzir os valores ao seu destino. Uma possibilidade, a mais simples, é transportar notas ou ouro através das fronteiras, aconselhando a passagem pelos locais A ou B conforme a “temperatura criminal” da fortuna e o montante envolvido. Se o cliente quiser participar nessa aventura que o faça, mas o banco pode enviar ao seu domicílio um transportador especializado. Uma segunda via passa pelas receitas (honorários, subornos, pagamentos a empresa ou qualquer outras) serem colocadas algures no estrangeiro, encarregando-se o banco de promover a transferência para a sua sede. Uma terceira, mais sofisticada, passa pelo banco criar empresas fantasma em paraísos fiscais e judiciários  (ex. Panamá ou Ilhas Virgem) de tributação tendencialmente nula para onde são transferidas verbas (por transferência de terceiros, pelo pagamento de “serviços” aparentemente legais ou por outras vias), encarregando-se o banco de todos os procedimentos, desde a criação daquelas até às transferências veladas.

2. Não, não estamos a falar do HSBC que tanto foi noticiado nos últimos dias e que gerou múltiplas declarações cínicas de quem sempre fingiu ignorar a realidade, quiçá aproveitar-se delas. São práticas as do UBS (União de Bancos Suiços), banco privado de investimento, gestor de fortunas.

Estas são práticas habituais da actividade bancária contemporânea ‒ na Suiça, noutro offshore ou em qualquer país ‒, do funcionamento dos sacralizados “mercados financeiros”. Reflectem o papel central que os paraísos fiscais e judiciários têm hoje na construção de uma sociedade menos ética. O crime organizado, os negócios legais, a fraude fiscal, a lavagem de dinheiro percorrem os mesmos canais, reais e virtuais, onde é possível encontrar figuras “estimadas” da nossa sociedade mediática.