José António Moreira, Visão on line,,
1. O Governo jura a pés juntos que a austeridade é para todos. Mais, assegura que as mordomias de uns quantos serão cortadas, as admissões de novo pessoal estancadas, o número de lugares nas administrações públicas reconduzido a dimensões menos escandalosas.
2. Quero acreditar, pensar que desta vez os nossos governantes não nos estão a defraudar, que tomaram consciência da gravidade da situação e decidiram arrepiar caminho. Quero acreditar, esforçar-me por aceitar que desta vez aquilo que nos dizem é verdade.
3. Mas o diabo é que há sempre um "boy" para ser colocado, há sempre um favor eleitoral que não pode ficar por pagar. O caso é fácil de descrever. O jovem deu o "litro" na última campanha eleitoral e há que o cativar para futuras lides eleitorais. Um lugar de gestor num gabinete público da localidade pode ser recompensa capaz. "Mas como", alguém pergunta, "se não é possível contratar pessoas sem vínculo à administração pública?". A criatividade de um qualquer assessor foi sancionada pelo secretário de estado do pelouro, pois a este nível chegou o empenho. "Contrata-se para a instituição X, que é uma entidade pública empresarial, e não está sujeita a limitações. Daí já se pode transferir a pessoa para o lugar a preencher". O autor da ideia deve ter sido louvado por tanta criatividade. Afinal, o que custa mais um contrato sem termo no meio das centenas de milhar do funcionalismo público? E que importa que a situação seja injusta face aos muito tarefeiros que, depois de anos e anos de trabalho a servir o Estado, foram enviados embora de mãos a abanar? O que parece importar acima de tudo é que o partido fica com mais um lugar ocupado por "pessoa de confiança".
4. Assim se fez. Foi maior a vergonha sentida pelo "boy", que temia que tudo pudesse ser publicamente descoberto, do que a do governante interveniente, que se apressou a sossegá-lo a tal propósito. Que podia dormir descansado, pois ninguém iria descobrir coisa alguma.
5. Eu bem quero acreditar … que este país tem futuro como entidade autónoma. Mas por mais que me procure auto-convencer, situações como a descrita acabam sempre por me fazer chocar com a dura realidade de que não nos vamos safar. O Estado tornou-se uma tal teia de relações partidárias e de partilha de lugares que não há orçamento que resista ao regabofe. E essas relações coarctam a possibilidade de existirem órgãos verdadeiramente independentes que exerçam um efectivo controlo sobre a actuação do poder governativo.
6. Neste contexto, só vejo uma solução para a "doença" de que padecemos. Não, não se trata de colocar a tropa a cuidar do assunto. É mais simples e, penso, pode ser mais consensual. Subcontratemos a governação do país. Cuidemos de contratar uma equipa de peritos estrangeiros que nos venha governar, e mandatemo-la para acabar com o regabofe actual. Até podemos pagar principescamente, pois as poupanças que se conseguirão serão suficientes para tal. Para nós, os nacionais, ficará a incumbência de "dar o litro" em prole da recuperação do país. Apenas necessitamos de ter a certeza de que seremos bem dirigidos e de que o fruto do nosso esforço colectivo não será exaurido com as mordomias dos "boys".
7. Se acham que a proposta é descabida, pense-se na melhoria que a TAP verificou quando, depois de tantos e tantos anos de completo desgoverno de administrações nacionais, se contratou um gestor estrangeiro para a gerir. Pense-se agora a uma dimensão maior, ao nível do país. Quantas vantagens não poderíamos recolher …
8. A Constituição não permite subcontratar funções de soberania? Então aproveite-se para a rever nesse sentido, agora que se está em pleno processo de revisão.
9. Temos de ser humildes e aceitar que somos capazes de fazer coisas muito boas, bonitas e importantes … mas que entre elas não parece estar a de nos sabermos governar. O tempo passa e as situações repetem-se, a história volta sempre ao início. Já um historiador romano que há quase vinte séculos por cá passou de nós escreveu que éramos um povo que não se sabia governar. Porquê então continuarmos a insistir no mesmo erro?