José António Moreira, Visão on line,
1. O administrador sagaz
Disse ainda Jesus aos discípulos:
"Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.' O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. Já sei o que hei-de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.'
E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: 'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza.
É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes." (Mt 16, 1-8)
2. Contratos de concessão
"O travão imposto pelo Tribunal de Contas (TC) a cinco contratos de subconcessão rodoviária assinados pela Estradas de Portugal conduziu a uma poupança de 575 milhões de euros." (Público, 5.8.2010)
O diário chegou a este montante somando as diferenças entre as rendas que eram pedidas à Estradas de Portugal nos contratos iniciais das diversas subconcessões a concurso - que o TC recusou - e o esforço financeiro que foi pedido à Estradas de Portugal nos contratos reformulados, que vieram substituir os primeiros.
A recusa do TC em conceder o visto aos contratos iniciais assentou em várias razões, a mais relevante das quais foi o facto de, na negociação final com os dois melhores consórcios classificados em cada concurso, terem sido apresentadas propostas muito mais caras do que aquelas com que esses consórcios se apresentaram inicialmente a concurso.
3. Processos fiscais prescritos
"Entre 2006 e 2008, cerca de 129 mil processos de execução fiscal relativos a uma dívida superior a mil milhões de euros prescreveram nos serviços de Finanças de Lisboa e Porto. Com base numa amostra dos 126 maiores desses processos, a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) concluiu que metade deveu-se à 'inércia dos serviços' e que, nesses distritos, 'não existem mecanismos de validação das prescrições'." (Público, 02.09.2010)
Da amostra recolhida, houve processos que não foram localizados; outros não correspondiam à dívida descrita; outros ainda tinham sido considerados como prescritos quando o não estavam; e o grosso não foi "objecto de tramitação devida", já que ficou patente que durante largos períodos de tempo "não se verificou quaisquer diligências por parte dos serviços."
Mais do que a demora dos tribunais, a IGF imputou "à inércia dos serviços cerca de metade das prescrições analisadas", com um prejuízo estimado de 76,1 milhões de euros de dívida". Saliente-se que este valor corresponde, apenas, à estimativa para a amostra de 126 processos!
4. Tempo de Verão
Noutra altura qualquer eu não deixaria passar em branco a oportunidade de discutir em profundidade relações e verosimilhanças entre a parábola e as situações apresentadas. Mas hoje não. O Verão deixou-me indolente, quase apático às notícias e tragédias que vão chegando, mesmo quando elas têm um impacto directo no meu bolso por via dos impostos que me são cobrados.
Apenas me percorre uma dúvida, que é também uma pergunta que me coloco: no caso da parábola do administrador sagaz, para além da demissão, será que o senhor o terá castigado pela atitude adoptada? Possivelmente não. Também nesse aspecto esse administrador parece comparar com os administradores e responsáveis envolvidos nos casos dos contratos e prescrições. Com uma pequena diferença: aquele, pelo menos, foi demitido.