Elisabete Maciel, Visão on line,

As seguradoras deveriam ser as primeiras a contribuir para a relação de confiança

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Não sou das que consideram que as seguradoras agem de má-fé com os seus segurados. Tento rever-me nas afirmações do presidente da APS, Dr. Seixas do Vale:

“O setor segurador em Portugal, além de tradição, goza de uma reputação sólida. A atividade seguradora é percecionada como uma atividade que honra os compromissos assumidos. Estudos recentes indicam que a sociedade portuguesa reconhece o setor segurador como sendo de confiança e com notoriedade reconhecida.“ (1)

No entanto, torna-se difícil acreditar que assim é quando se conhecem situações como a que aqui se descreve.

O Sr. Silva tinha uma aplicação financeira, PPR, numa determinada seguradora. Esta vencia-se no dia em que completava 60 anos, por coincidência um dia feriado e uma terça-feira. Tendo em conta esse facto, dirigiu-se à seguradora, antes dessa data, dando ordem para que lhe transferissem para a sua conta (forneceu o NIB) o valor resultante da aplicação. Evidentemente, tendo em conta o feriado, foi-lhe dito que a ordem seria dada no dia seguinte, quarta-feira. Nada a opor.

Sendo conhecedor das normas do Banco de Portugal (2) contava que na quinta-feira seguinte o dinheiro estivesse disponível na sua conta. Não era suposto que a seguradora, dada a sua dimensão, ordenasse as transferências em papel… Nesse mesmo dia, constatando que o montante não lhe tinha sido creditado na conta, decidiu contactar a seguradora para saber qual era o problema. Espanto seu quando lhe comunicam que a ordem de transferência era dada a partir da sede, o que justificava o atraso do processo.

Mas já não sabiam disso quando foi solicitada? Então de que serviu o Sr. Silva ter-se dirigida à agência com a devida antecedência? Não trataram das autorizações? Sem resposta...

Na sexta-feira, qual não é a surpresa do Sr. Silva ao constatar que o dinheiro não estava ainda na sua conta … E logo agora que se ia meter o fim-de-semana…

Finalmente, segunda-feira, passados 5 dias sobre a data prevista, a transferência concretizou-se. Será que a ordem de transferência foi dada em papel e transportada por uma tartaruga?

Falando sério, como são possíveis situações destas numa “actividade que honra os compromissos assumidos”?

Não é ofensivo das boas práticas a retenção indevida de uma verba por parte da seguradora? Pensando em milhares de clientes e consequentemente em milhões de euros, facilmente somos levados a admitir que a seguradora retém abusivamente na sua posse, sem qualquer dúvida com proveito próprio, dinheiro que não é sua pertença.

Se as seguradoras estão tão preocupadas com o combate à fraude cometida pelos seus segurados, deveriam ser as primeiras a contribuir para a relação de confiança e ter mecanismos de controlo interno sobre a apropriação indevida de dinheiro dos seus clientes, fraudes, que elas próprias cometem.

Acidente ou prática habitual?

 

NOTAS:
(1) Revista Aspectos, Maio 2013
(2) Prazos de execução: Nas transferências SEPA (Single Euro Payments Area) entre contas de pagamento sediadas em prestadores de serviços de pagamento diferentes (transferências interbancárias), os fundos devem ser creditados na conta do prestador de serviços de pagamento do beneficiário até ao final do dia útil seguinte ao da receção da ordem, devendo a conta de pagamento do beneficiário ser creditada imediatamente e os fundos disponibilizados nesse mesmo dia… (…). No caso das transferências interbancárias ordenadas em suporte papel, admite-se a prorrogação deste prazo por mais um dia útil.