Paulo Vasconcelos, Visão on line,

1. Ousar questionar é fundamental. Como disse Ionesco, "Não é a resposta que nos ilumina, mas sim a pergunta". Esta crónica não pretende atingir ninguém em particular, nem a quem governa nem a quem procura governar. Ou se calhar serve para atacar todos, eu incluído … A crónica é também um elencar tímido mas contido de assuntos dispersos, reveladores da incoerência dos decisores e das decisões. Enfim, nós que criamos a sociedade, criamos teias para nos tecer atando-nos de mãos e braços. É simples, que a sociedade premeie os bons e reabilite e acompanhe os mais fracos, mas exigindo de todos.
2. O Estado quer controlar uma empresa que foi sua, repito que foi sua, após ter alienado a maioria da sua participação, através de um instrumento dourado artificialmente criado e que lhe permite o melhor de dois mundos: receber o proveito da venda e manter o controlo daquilo que já não tem. Assim não vamos lá. Se determinada empresa é estratégica para o país, então deve o estado manter real controlo sobre ela. Não se pode pedir a investidores que se preocupem com o interesse do país! Não é esse o seu papel. Algo está profundamente errado. Pior, o problema perpetua-se, estando já na calha a venda de outras empresas públicas. Que mecanismo será inventado agora? Qual a cor que o irá caracterizar? Isto é como um vírus que se dissemina silenciosamente. Portugal não é caso único e não está aqui uma crítica às leis de mercado que nos governam. Está aqui sim uma crítica à prática de se tentar introduzir estratagemas, leis, contra-leis, instrumentos mágicos e coloridos impregnados de engenharia financeira para torcer a lógica das coisas. No mercado os investidores estão para garantir o seu dinheiro e para o fazerem crescer. As empresas existem para criar riqueza e os seus administradores para propiciarem aos accionistas o maior retorno possível. Ao estado importa zelar pela soberania do seu território e pelos seus cidadãos. Se o Estado precisa de dinheiro, se o estado está grande e gordo, então que se liberte dos excessos, que venda aquilo que não é estratégico para o país. Se não chega, então não se diga que é gordo e que se aceite perder capacidade de influenciar decisões eventualmente estratégicas para o país. Vão-se os anéis, ficam os dedos.
3. Falemos agora um pouco das SCUT, estradas Sem Custo para os Utilizadores. Aqui a ideia baseia-se no pressuposto abusivo de que os países irão sempre registar taxas de crescimento da sua produtividade; assim, como precisamos de estradas hoje, façamo-las e adiamos o seu pagamento para as "calendas". Claro que numa economia que cresce sempre, os custos de construção, exploração e manutenção são totalmente suportados pelo contribuinte, Bom, penso que todos assumem que estas decisões não terão sido as mais felizes. A mesma prática tem o cidadão comum que pede empréstimo para fazer férias, para trocar o seu carro com apenas 2 anos, ou para adquirir o último grito em tecnologia 3D (na verdade uma só não, uma para a sala e duas mais pequenas para os quartos). Todos erramos. Quando se erra, aprende-se e não se comete o mesmo erro duas vezes. Mas não, vamos transformar as SCUT em CCUT (Com Custo para os Utilizadores); pior ainda, não transformamos todas, transformamos apenas algumas. Que "lata" a de alguns autarcas quando defenderem que a "sua" SCUT deve continuar SCUT, quando se mantiveram calados perante a passagem de SCUT a CCUT em outras zonas do país. Bravo, "ou comem todos ou há moralidade". Afinal, parece que comem todos. Agora vamos ter as CCSUP (Com Custo Selectivo para os Utilizadores)… Houveram pessoas e empresas que se deslocalizaram, que se instalaram em zonas mais desfavorecidas pela existência destas estradas. A alteração das regras a meio do processo é destruidora da vida serena em sociedade.
4. As empresas atravessam as fronteiras, são mal geridas e desaparecem. E depois? Depois ouvem-se palavras ocas, "isto é caso de polícia", "será muito difícil que alguém venha a ser ressarcido " e …. Mas internamente, também estamos habituados a ver premiar os prevaricadores, e portanto a penalizar os cumpridores. Às empresas que não cumprem com as suas obrigações sociais e fiscais, é perdoada parte da dívida e a restante paga em suaves prestações. As empresas que cumprem, essas sofrem entretanto a concorrência desleal das que não pagam as suas obrigações, sendo algumas forçadas a cessar a sua actividade. O cidadão cumpridor, que cria riqueza, que investe, que presta serviços e que se entrega ao seu trabalho, esse tem de pagar taxa moderadora. Quem não quer contribuir para a sociedade tem isenção e liberdade de decidir se quer ser tratado ou não. Esclareço o que quero dizer com o parágrafo anterior. A sociedade tem de ser solidária, e tem de ajudar quem não consegue contribuir. Mas há muitos que não querem contribuir e que usam toda a sua disponibilidade para o ócio, vício e para engendrar mecanismos de enganar quem os ajuda. Gastam-se fortunas com doentes graves que dão entrada, moribundos, nos hospitais públicos e que após algumas semanas de tratamento dispendioso e exigente para as equipas médicas e de enfermagem, abandonam o tratamento disseminando doenças. Sim ao tratamento de todos sem excepção, mas com direito a tratamento compulsivo. Andamos a brincar à sociedade.
5. Temos provedores para tudo e mais alguma coisa, não esquecendo os reguladores. Para quê? Estamos desprotegidos e os mercados desregulados! Estamos desgovernados, por quem governa e por quem aspira a governar. Faltam decisores que pensem o mundo, os países e as sociedades. Falta cultura cívica aos cidadãos para saber exigir dos decisores decisões pensadas, reflectivas e fracturantes. Falta sobretudo simplicidade e transparência de processos. As complicações só interessam a quem as cria.
Ousemos questionar.