José António Moreira, Visão on line,
1. Há livros que aparecem na nossa vida um pouco por acaso, quase como se tropeçássemos neles. No entanto, alguns deles vêm a revelar-se autênticas preciosidades, que lemos com o mesmo vagar e prazer com que degustamos um saboroso petisco que nos foi colocado no prato. "Animal Spirits: How Human Psychology Drives the Economy, and Why it Matters for Global Capitalism", de George Akerlof (prémio Nobel da Economia, 2001) e Robert Shiller, é um desses livros. Curto, bem escrito, motivante, propõe-nos uma visão da macroeconomia que foge da explicação tradicional assente no "Homem económico e racional". Propõe-nos uma visão onde sobressai o impacto de cinco "animal spirits" - a confiança, a equidade, a corrupção e má-fé, a ilusão monetária e as "histórias" - no comportamento humano e, por essa via, no devir económico. É com base nessa visão e nos comportamentos "irracionais" que lhe estão subjacentes que explica a ocorrência de crises económicas e financeiras como a que ainda estamos a viver.
2. Num levantamento que fazem das causas das três últimas recessões verificadas pela economia americana - 1990/91, 2001 e a recente de 2007/09 -, os autores apontam como razões para a respectiva ocorrência as alterações negativas na atitude de agentes e instituições ao nível dos "princípios de bom comportamento", bem como as alterações na "actividade predatória" de certas empresas e organizações. Uma pergunta é colocada aos leitores: por que é que novas ondas de corrupção e comportamentos de má-fé tendem a ocorrer de tempos a tempos? Trata-se de uma pergunta de retórica, antecipando a proposta de resposta que os autores oferecem: o renovar cíclico de tais ondas assenta no facto de haver por parte dos agentes ou organizações, em determinados períodos, a crença de que é fácil obter ganhos indevidos sem sofrer uma penalidade de dimensão equivalente. Quer porque sentem que o sistema de punição está mais fraco, quer porque actuam através de mecanismos - por exemplo invenções financeiras - que legalmente ainda não estão reguladas. Ainda segundo os autores, duas outras condições contribuem sobremodo para o florescimento e alargamento da corrupção: a aceitação social da corrupção como uma "normalidade"; a própria existência de corrupção, que tende a auto-alimentar-se.
3. Se deixarmos o contexto americano do livro e olharmos para o caso português, há sinais assustadores e prenunciadores de tempos (ainda mais) difíceis no âmbito da propagação da corrupção e comportamentos de má-fé (onde se enquadra a fraude). O caso "Face Oculta", pelas figuras públicas envolvidas, tem ocupado a atenção dos "media". Raramente é olhado como (mais) um caso de corrupção e fraude e enquadrado num crescendo de casos que têm vindo a ser conhecidos ao longo dos últimos anos. Por isso, corre o risco de ser olhado pelos cidadãos como uma mera "anormalidade", um caso pontual que foge do padrão (que é não existirem desvios de comportamento por parte de cidadãos e organizações). Olhando ao contexto nacional facilmente se encontram ingredientes que ajudam a explicar esse crescendo de corrupção e fraude: de há muito que a Justiça não funciona em tempo e com mão suficientemente pesada para desincentivar tal tipo de comportamentos; culturalmente, há um certo grau de aceitação destes, como ainda recentemente um inquérito de opinião deixava perceber; e, como referido, corrupção tende a gerar mais corrupção.
4. Numa análise macroeconómica tradicional, a corrupção e a fraude tendiam a ser olhadas como neutras do ponto de vista económico, porque eram consideradas meras transferências de riqueza entre agentes: o que uns perdem, outros ganham. O que a visão proposta no livro mostra é que a situação não é assim tão simples: a corrupção e a fraude têm consequências negativas para a actividade económica, até pelo impacto que têm sobre a confiança dos agentes. Portanto, numa altura em que a economia portuguesa necessita drasticamente de crescer, a existência de corrupção vem colocar ainda mais nuvens negras sobre o nosso futuro colectivo.