Nuno Moreira, Visão on line,

Permitam-me iniciar esta crónica com uma pequena história, uma breve anedota que me contaram há já alguns anos e que, por vezes, sou levado a recordar.
Numa pequena aldeia do interior, ao sair de suas casas, confrontados pela primeira vez com um avião no céu que fazia por ali a sua rota comercial, pergunta um habitante desta aldeia ao seu vizinho: Eh vizinho, que é aquilo que atravessa o céu? Reponde o outro: Ignoro, caro vizinho. Retorquiu então o primeiro: Eh vizinho, que grande "ignoro"!
A propósito da proposta e subjacente recomendação do Estado à EDP e PT, no que respeita à redução dos salários dos respectivos gestores executivos de topo, o que assistimos foi efectivamente um grande "ignoro" por parte das assembleias-gerais.
Pondo de parte a discussão sobre se o Estado, dada a natureza da sua qualidade de accionista, deve ou não fazer estas recomendações (por hipótese, pressões), no meu entender, será sempre justificável um apelo a uma tomada de consciência (venha ele de onde vier) sobre um tema que exige reflexão e que não pode ser encarado de forma aligeirada.
Atendendo a que as próprias empresas, por sua própria iniciativa e depois de uma aprofundada reflexão (certamente que não), entenderam não fazer sentido qualquer "mexida" nos salários dos seus CEO´s, será que não deveriam ter reavaliado a sua opção após o Estado ter intervindo, fazendo a referida proposta?
Como é sabido, estas empresas, além da divulgação periódica dos seus "Relatórios e Contas", divulgam também outra informação no sentido de alicerçar uma imagem de "ética e socialmente responsáveis". Será esta uma postura de responsabilidade social? De todo!
É certo que os gestores destas grandes empresas portuguesas têm cumprido bem o seu papel, têm currículo a alicerçar o seu mérito, tendo mesmo sido, ainda há pouco tempo, premiados e reconhecidos pela "Institucional Investor". E vendo bem, o peso das suas remunerações no resultado apresentado por aquelas empresas nem é dos mais significativos. Até porque os resultados apresentados também têm sido confortáveis e expressivos…
E, desde que seja por mérito, por bom desempenho e cumprimento de objectivos adequadamente definidos, de contributo efectivo para a saúde económico-financeira das nossas empresas (e riqueza do país) não me repugna nada ter pessoas bem pagas e mesmo muito bem pagas.
Então, onde estará o desconforto, o incómodo, quando se é confrontado com a divulgação dos salários destes gestores?
Constatarmos que nestas empresas um colaborador, em média, aufere 18 vezes menos do que um Administrador Executivo e 26 vezes menos que o respectivo Presidente Executivo! E se compararmos com os dirigentes máximos da nossa Nação, teremos também que multiplicar por dois dígitos; e então, se compararmos com um salário médio em Portugal, da grande maioria das nossas PME´s… não calculem, por favor!
Por outro lado, como sabemos ou, pelo menos, temos uma breve ideia, ter lucro não é a mesma coisa que ter um aumento de meios financeiros líquidos; mas, desejavelmente, estas variáveis deverão caminhar no mesmo sentido e, sobretudo, se uma empresa tem bons resultados, deverá aproveitá-los para fazer uma boa gestão do seu endividamento. Ora, se nestas empresas, o desempenho económico tem sido interessante porque será que estão mais endividadas e são mesmo as mais endividadas da Europa? Por onde é que anda o dinheiro? Será tudo devido a investimento? Concluir a respeito não é muito cristalino…
Na actual conjuntura, estas grandes empresas também deveriam ter a responsabilidade social de nos sinalizarem que estão no mesmo barco e que, por exemplo, o famoso PEC não é só para alguns. É difícil, de facto, apelar-se desta forma a um espírito de unidade e a mais sacrifícios, para remarmos todos no mesmo sentido, quando alguns viajam sempre de iate e outros quase sempre de caíque, faça sol ou faça chuva.
Só ficaria bem a este nicho empresarial integrado no PSI 20, cujos gestores executivos passam ao lado da crise, adoptar critérios de prudência e de bom senso quando é preciso. São atitudes como estas, de indiferença e de grande "ignoro", que prostram e deprimem ainda mais um país já deprimido.
Alguém tem que dar o exemplo e este não está definitivamente a ser dado por quem tem margem de manobra para prescindir de alguma coisa. A grande, grande maioria não tem esta margem de manobra, antes pelo contrário!
Esta postura, que, por contágio, vai alastrando a toda a sociedade, não deixa de ser mais um contributo para um clima de alguma agitação social que, naturalmente, dispensamos!