Mariana Costa, Visão on line,

Escrevo hoje na primeira pessoa do singular.
Recentemente, no regresso a casa depois de um normal dia de trabalho, fui, como habitualmente, à caixa de correio buscar a correspondência. No meio de um conjunto amorfo de envelopes brancos com janela e endereços escritos a computador encontrava-se um envelope vindo da África do Sul, com uma espécie de moldura tracejada de azul, branco e vermelho e três selos de cores fortes e desenhos de flores, completado pela identificação manuscrita do destinatário: eu.
Pousadas as coisas, dirigi de imediato a minha atenção para o envelope em causa e abri-o. Dentro, encontrava-se uma folha A4 escrita a computador, que apresentava como cabeçalho a identificação de uma sociedade de advogados situada em Joanesburgo.
A carta vinha redigida em Inglês e no assunto constava a promissora expressão "Acordo Legítimo" (Legitimate Arrangement).
Resumindo o conteúdo da extensa missiva, o Sr. Advogado X tinha a pesada tarefa de me informar que o Sr. Engenheiro Y, empreiteiro há longos anos estabelecido na África do Sul, tinha falecido juntamente com a mulher e os seus três filhos num acidente de viação. Apesar de várias tentativas efectuadas, não tinha sido possível encontrar nenhum parente sobrevivo do referido senhor, razão pela qual eu estava a ser contactada.
A proposta era simples: apresentar-me como legítima herdeira do de cuius e sua família e assim reclamar o direito aos quase US$20,000,000.00 que este detinha numa conta bancária no First National Bank of South Africa. Para tal, eu tinha apenas que me deslocar à África do Sul para assinar alguns documentos (apenas?!) ou, caso não pudesse deslocar-me (ah!), o solícito autor da carta trataria de tudo em meu nome, pedindo em troca apenas uma pequena parcela do montante envolvido, se eu nada tivesse a opor.
A carta termina afirmando que a transacção em causa está isenta de qualquer risco legal, visto o funcionário do banco responsável pela gestão da conta estar também envolvido e pedindo a minha resposta, o mais rapidamente possível, através de telefonema, fax ou email.
O esquema associado à carta que recebi não é novo e é habitualmente designado, nos meandros do estudo da fraude, como "Carta da Nigéria". O modus operandi, se bem que com ocasionais variações, é o seguinte: a vítima é contactada (actualmente com maior frequência através do envio de um email ou através das redes sociais na Internet) e aliciada a participar numa operação ilícita de desvio de dinheiro, seja proveniente de supostas heranças (como foi o caso), seja de falsas transacções, seja dinheiro de empresários de sucesso ou antigos políticos que pretendem assim acautelar o seu património contra a corrupção e incerteza instaladas no país, ou até mesmo, num rasgo de imaginação que faria corar Hollywood, de soldados Norte-Americanos no Iraque ou Afeganistão, que, numa qualquer rusga, se depararam com uma elevada quantia monetária, qual caverna escondida do Aladino.
Se a vítima retribuir o contacto, recebe então diversos documentos falsos para assinar e, com frequência, para preencher com o fornecimento de dados pessoais. Por fim, quando a vítima se encontra já suficientemente envolvida no processo, é-lhe solicitado que envie uma contribuição financeira para a libertação final do dinheiro, sendo esta contribuição financeira o principal objectivo do esquema.
Uma outra variante desta fraude, mais perigosa pela sua aparência de licitude, é a publicitação da concessão de créditos bancários a taxas de juros muito apelativas, para cuja obtenção a vítima teria apenas de disponibilizar pequenas quantias de dinheiro para cobrir custos administrativos. O crédito vem a revelar-se fictício e a vítima vê-se despojada do dinheiro que adiantou.
Quanto a mim, não fosse a fictícia morte de uma família de cinco inocentes que nunca existiram, o fictício envolvimento de um funcionário de uma instituição bancária de prestígio na África do Sul, a publicitada impunidade de um esquema jurídico ilícito e a perda de US$20,000,000.00 que nunca foram meus, poderia encontrar alguma ironia poética na escolha do destinatário daquela carta, que me permite agora partilhar estas linhas.