Fernando Costa Lima, Visão on line,

Por princípio, sou adepto do fim do sigilo bancário para efeitos fiscais, por, desde logo, acreditar que quem não deve não teme, mas também por acreditar que, desde que usado adequadamente, pode ser um meio eficaz de combate à corrupção e ao enriquecimento ilícito. Por princípio e por convicção, sou adepto da transparência no que toca à informação a disponibilizar pelas sociedades abertas, ou, simplisticamente falando, pelas sociedades que tenham as suas acções admitidas à negociação em bolsa. Por maioria de razão, sou adepto da transparência no que toca à informação a disponibilizar pelas sociedades em que o Estado possua participações relevantes, independentemente de terem as suas acções cotadas.
Tudo isto vem a propósito de alguns sinais preocupantes visíveis na sociedade portuguesa, nos tempos mais recentes.
Sinais preocupantes que me levam a pensar que, muito por força da crise que vivemos, poderemos estar a assistir não a princípios de aplicação saudável, mas antes a puros exercícios de striptease, de voyeurismo ou até mesmo de utilização indevida de certos mecanismos para fins diferentes dos que estiveram na sua origem.
Alguns desses sinais:
" Notícias sobre supostos envolvimentos de pessoas em actividades ilícitas, ainda antes de as pessoas terem sido acusadas e com detalhes que indiciam que as fontes das mesmas parecem ter origem em agentes dos quais se espera a salvaguarda intransigente de princípios como o da reserva e do segredo profissional;
" Declarações públicas de agentes da justiça que vêm sistematicamente solicitando uma diminuição do chamado garantismo em matéria penal, sem que, a meu ver, fique devidamente demonstrado que esse deva ser o caminho a seguir;
" Notícias sobre quanto ganha o administrador A ou B, num tom que nada tem a ver com o objectivo último da divulgação de tal informação;
" Propostas apresentadas por deputados, limitativas de certos direitos e garantias que mais parecem obra de um populismo destinado a satisfazer o seu eleitorado, em especial a generalidade dos eleitores que sofre na pele as consequências da crise em que vivemos.
Torna-se urgente recolocar as questões relacionadas com a "invasão da privacidade", em sentido lato, num plano de consenso alargado que envolva o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial, sem dramas, sem demagogia, sem populismos e discutido nos locais próprios.
É em épocas de crise que se exige mais serenidade, é em épocas de crise que é mais necessário parar para pensar antes de agir.
Se assim não for, corremos um sério risco de transformarmos o que são os necessários exercícios e mecanismos de transparência em meros espectáculos (degradantes) de striptease ou voyeurismo.