Paulo Vasconcelos, Visão on line,
O Sr. António, a trabalhar nas vindimas que o aproximam da sua terra natal no Douro, viu-se na obrigação de se deslocar propositadamente ao Porto, onde reside, para exercer o seu direito de voto. Perdeu o dia e despendeu várias dezenas de euros, daqueles que lhe restam após impostos. O Eng. Luís ainda hoje não se conforma com a decisão que tomou em não votar por se encontrar recentemente a trabalhar em Espanha e não se ter informado a tempo sobre como poderia efectuar a sua obrigação cívica. A Sra. D. Maria, emigrante na África do Sul, já há muito que deixou de votar pois o consulado mais próximo do seu local de trabalho e residência fica a várias centenas de quilómetros de distância. As centenas de estudantes Erasmus que todos os anos saem de Portugal para estudar num ambiente de ensino móvel, flexível e intercultural, não têm condições para no período da mobilidade tratarem da logística necessária ao voto.
Se os cidadãos têm o dever de exercer a sua cidadania plena e votar, não deve a sociedade que deles esse acto exige criar as condições necessárias para a sua concretização? Eu quero votar em mobilidade. Com a sociedade de informação a impregnar o dia-a-dia de todos nós, porque é que ainda não se pode votar em mobilidade? Confesso que não percebo! Diminuir a abstenção e aumentar a participação não devem ser os objectivos a perseguir? Agora que saímos de uma série de processos eleitorais, acho que estamos tranquilos para reflectir, de novo, sobre esta matéria. O novo cartão do cidadão já permite, com elevados níveis de segurança, um registo centralizado dos direitos de voto de cada eleitor.
Bom, nesta fase, o caro leitor estará a pensar no voto electrónico, e daqui já o seu pensamento vai para as máquinas de votação e, porque não, para a votação pela internet. É justo dizer que instituições portuguesas com responsabilidade na matéria já se debruçaram, sobre estas questões, e tenho esperança que o continuem a fazer. Várias iniciativas foram realizadas, incluindo a experiência piloto nas eleições legislativas portuguesas de 2005; foi testado o voto electrónico recorrendo a quiosques electrónicos disponibilizados em cinco freguesias, assim como foi testado, na emigração, o voto através de um portal na internet. A manifestação de conforto e simplicidade de processos foi elogiada pelos nossos concidadãos que fizeram parte da experiência.
Embora na maioria dos países o voto seja exclusivamente presencial e em papel, há já alguma tradição, embora se reconheça pequena, de voto electrónico noutros países, alguns na Europa. O voto electrónico acarreta problemas de confidencialidade e segurança. Pelo lado tecnológico, os especialistas alertam para possibilidade de fraude. O uso de voto electrónico não presencial pode trazer desconfiança de apropriação de identidade. Identificar o voto com o votante é o primeiro grande problema, pois é necessária a realização de alguma forma de confrontação para validação e recontagem. Ainda, o voto electrónico exige o acesso à rede e, por conseguinte, é um sistema que estará sujeito a ataques informáticos. Há muitas suspeitas em relação à utilização de máquinas de voto produzidas por um fabricante. Estas máquinas, são por exemplo muito utilizadas nos Estados Unidos, e há muita desconfiança sobre alguns dos resultados que estas produziram no passado recente. O uso de computadores pessoais dificulta mais ainda o cenário pois não há controlo sobre o software existente nessa máquina. Muitos problemas estão identificados, mas também para eles há já muitas propostas de solução. Já é rotina entregar a declaração de rendimentos via internet, assim como consultar e movimentar a conta bancária via "homebanking". Também para estes casos muitos problemas de confidencialidade e segurança se colocaram, e colocam ainda, mas hoje ninguém concebe viver neste mundo de alta velocidade sem estas funcionalidades.
Muita informação e esclarecimentos plurais podem ser encontrados nos portais da CNE (Comissão Nacional de Eleições), da DGAI (Direcção Geral da Administração Interna) e da UMIC (Agência para a Sociedade do Conhecimento), entre outros.
Mas é fundamental atender à mobilidade garantindo uma drástica redução da abstenção. Todos nos recordamos de um referendo onde quase 60% dos eleitores não votaram…
Para mim, poder-se-ia avançar rapidamente para a mobilidade com verificação presencial de identidade, por exemplo. Não se resolveria todos os casos mas seria um passo de gigante. Quando se fala em mobilidade o que se pretende é que um cidadão eleitor possa votar numa qualquer secção de voto e não ser obrigado a deslocar-se à secção onde está recenseado. Ou seja, esta mobilidade tornará mais claro o que é uma abstenção, pois nos casos do Eng. Luís, da Sra. D. Maria e dos estudantes Erasmus não houve abstenção, houve sim impedimento de votarem.
Já levamos quase tantos anos de democracia como de ditadura. Muitos apreciam votar e esse voto é para eles a razão de uma vida de luta para que hoje cada um possa exercer esse direito elementar, independentemente de sexo ou convicções políticas. Sou eternamente reconhecido a estes heróis por me possibilitarem votar, independentemente de ser na forma presencial ou virtual, mas em mobilidade, em liberdade.
Não é o escrutínio rápido que está em causa, pelo menos num País como Portugal onde em poucas horas se tem uma aproximação muito boa do resultado final. Também não são argumentos ecológicos de poupança de papel, pois infelizmente tal representaria uma contribuição demasiado pequena para a sustentabilidade no planeta. A confidencialidade é importante, e para casos em que o eleitor é zeloso do seu voto até porque pode querer escrever uma patetice no boletim ou votar no partido político que publicamente combate, deve poder manter a fachada votando presencialmente em papel. Este meu desabafo é, apenas, contra a forma única actual de votar.
A mobilidade trará consigo benefícios óbvios. Facilitará o voto a pessoas com mobilidade reduzida ou com incapacidade de deslocação por estarem internados ou presos a uma abençoada máquina. Para quem não se pode deslocar a nenhuma secção de voto ou a um consulado no caso dos emigrantes, já há procedimentos que permitem com elevada segurança identificar o eleitor, enviando a pedido deste para a sua residência um conjunto de credenciais para serem usadas no voto. O voto em mobilidade exige, o que é saudável e recomendável, cadernos eleitorais electrónicos, única forma de gerir eficazmente o recenseamento eleitoral.
Em conclusão, a instalação de uma ou várias formas complementares ao voto presencial em papel, deve ser implementada. Não existem sistemas 100% seguros. O actual é bastante seguro porque se baseia na desconfiança mútua, tipo guerra fria, onde os adversários se vigiam mutuamente tendo a fraude em mente. É obviamente possível desenvolver sistemas mais inteligentes que minimizem as possibilidades de fraude. As vulnerabilidades têm de ser identificadas e, senão eliminadas, terão de ser combatidas e reduzidas, mas não se pode deixar de fazer por se prever que fraudes possam ocorrer. Se há cidadãos capazes de usar a inteligência para daí retirar benefícios ilícitos, muitos mais há que sabem que como espécie não conseguiremos sobreviver sem estar numa sociedade democrática e livre. Sim à segurança, mas com liberdade. A fraude, essa, previne-se e combate-se.