Oscar Afonso, Visão on line,
Em todos os países do mundo existe uma parte da economia, chamemos-lhe Economia Não Registada ou economia sombra, cuja actividade não é reflectida na contabilidade nacional, sendo o seu tamanho, causas e consequências variáveis de país para país. Este fenómeno tem sido tratado por diversos economistas. Alguns destes estudos incidem mais sobre a medida, outros sobre as causas e outros ainda sobre as consequências. Porque o fenómeno é complexo, o confronto entre a definição de Economia Não Registada e a que esses estudos geralmente consideram é o tema central desta crónica.
O primeiro passo dos estudos existentes sobre o assunto é o de avançar com uma definição formal de Economia Não Registada. Trata-se de uma tarefa difícil, mas crucial, seja: (i) devido à complexidade do fenómeno; (ii) porque se trata de uma realidade em constante desenvolvimento de acordo com o "princípio da água corrente" - adapta-se, em particular, às alterações nos impostos, às sanções das autoridades fiscais e às atitudes morais em geral; (iii) porque o conceito incorpora diversas actividades económicas - segundo o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de 2002, intitulado "Measuring the Non-Observed Economy", inclui a produção ilegal, a produção não declarada (oculta ou subterrânea), a produção informal, a produção para uso próprio (autoconsumo) e a produção subcoberta por deficiências da estatística.
Este trabalho da OCDE baseou-se, claramente, no System of National Accounts (SNA93) e no European System of National Accounts (ESA95), já que, segundo o SNA93 e o ESA95, o uso dos termos Economia Não Registada, ilegal, subterrânea, informal, autoconsumo e subcoberta não é uma mera questão de nomenclatura. Tal resulta claro explorando um pouco cada uma das componentes que a OCDE considera abrangidas pela Economia Não Registada.
Com efeito, a produção ilegal é caracterizada por bens ou serviços cuja produção, venda e distribuição são proibidos por lei (como é, por exemplo, o caso das drogas ilegais) ou que são legais, mas proibidos quanto à produção e posse a indivíduos não autorizados (por exemplo, é ilegal a prática de medicina sem licença).
Por sua vez, a produção subterrânea, oculta ou subdeclarada, é caracterizada pela produção de bens ou serviços legais, deliberadamente não declarada (de forma total ou parcial) de modo a evitar o pagamento de taxas ou impostos, o cumprimento de normas legais (como, por exemplo, o pagamento de salários mínimos, ou o cumprimento de limite de horas de trabalho, de regras de segurança e saúde no trabalho) e o cumprimento de procedimentos administrativos como é o caso de questionários estatísticos.
A produção informal ou do sector informal é caracterizada pela produção de bens ou serviços legais, por unidades que operam com pouca organização e em pequena escala, sem divisão (ou pouca) entre os factores de produção capital e trabalho, cujo principal objectivo é o de gerar rendimentos e emprego para os indivíduos envolvidos. Neste caso não há intenção deliberada de fuga a impostos ou contribuições, nem de infringir regras laborais. Em particular, incluem-se nesta rubrica actividades não registadas conduzidas por artesãos, camponeses, trabalhadores domésticos e pequenos comerciantes.
A produção para uso próprio ou autoconsumo é caracterizada pela produção de bens ou serviços com o objectivo de serem consumidos por quem os produz.
Finalmente, a produção não considerada devido a falhas estatísticas (subcoberta) é caracterizada pelas actividades produtivas que deveriam ser tidas em conta na contabilidade nacional, mas que não o são devido a deficiências estatísticas. Este facto deve-se sobretudo à não cobertura total das empresas da economia, à falta de envio de informação por parte das empresas e à informação errada existente sobre as empresas.
Como as diferentes produções deveriam ser incluídas nas estimativas do Produto Interno Bruto, a sua distinção para este fim não é muito importante. No entanto, entre países, ou num país ao longo do tempo, a distinção entre produções torna-se relevante, pois tem um impacto nas estimativas e pode causar inconsistências em termos de análise.
Assim, a definição mais abrangente de Economia Não Registada, no sentido em que é capaz de abarcar todas as rubricas enfatizadas pela OCDE, passa por considerar que engloba todas as transacções económicas que contribuem para o Produto Interno Bruto, mas que, por diversas razões, não são tidas em conta.
No entanto, os estudos realizados consideram geralmente como Economia Não Registada apenas uma ou algumas das suas componentes e, portanto, acabam por subestimar significativamente o objecto de estudo. Efectivamente, creio poder dizer que a definição considerada nos diferentes estudos sobre o assunto tende a depender do propósito do estudo.
Creio mesmo poder dizer que as actividades da Economia Não Registada particularmente enfatizadas pelos diversos estudos são as relacionadas com a produção subterrânea. Só para citar um exemplo, é essa a definição considerada por Philip Smith, num estudo de 1994, intitulado "Assessing the size of the underground economy: the statistics Canada perspective.".
Em suma, embora a Economia Não Registada englobe diversas componentes, geralmente e no melhor dos cenários - certamente devido à complexidade e ao dinamismo do assunto -, apenas a produção subterrânea tende a ser analisada. Dependendo de país para país e de período temporal para período temporal, muita Economia Não Registada é pois omissa nos estudos efectuados.