Pedro Santos Moura, Visão on line,
Em todas as actividades humanas no seio de uma sociedade, estão subjacentes os conceitos de certo e de errado. A moral e as leis têm por objectivo a criação de um contexto comum a partir destes conceitos aplicados às acções e pensamentos humanos. Sem isto não existiria sociedade.
No entanto, somos humanos. Temos vontades, desejos, pensamentos, inclinações, impulsos próprios e individuais, muitas vezes contrários aos melhores interesses da sociedade. E, por vezes, humanos como somos, fruto da nossa individualidade, empreendemos acções contrárias à moral comum e mesmo às leis.
É neste confronto permanente entre sociedade e indivíduo que se define grande parte da vida humana. É também aqui que se definem as fronteiras, as margens, entre o que é aceitável e o que não o é, em termos de sociedade.
Assuma-se que todos temos tendências desviantes em potencial, que podem ou não ser concretizadas. E entenda-se também que estes comportamentos desviantes não são uma perversão do ser humano: são algo inerente (e necessário) à própria existência da sociedade; uma resposta do 'indivíduo' à tirania limitadora da 'sociedade', que permite a existência de um equilíbrio dinâmico na fronteira entre o que é e não é permitido.
É nesta fronteira que podemos situar a temática de fundo deste artigo: a fraude. É tese (polémica) deste artigo que a fraude é, enquanto comportamento desviante, algo que deve ser encarado como inerente (e mesmo necessário) ao próprio funcionamento da sociedade, das organizações e instituições e dos indivíduos.
O que é a fraude, senão o fruto de uma necessidade (ter bens ou vantagens que não se obteriam de outra forma), de uma possibilidade (a noção que o acto individual pode escapar à vigilância da sociedade) e de uma racionalização (a mudança do referencial, da tal fronteira que marca, para o indivíduo, o que é aceite e o que não é aceite)?
Do ponto de vista do indivíduo, é esta a receita para a perpetração de actos fraudulentos. O que começa como a satisfação de uma necessidade pessoal, resulta na alteração da própria definição do mesmo das fronteiras do que é e não é lícito perante a sociedade. Quem cometeu uma fraude vai, muito provavelmente (e enquanto não for apanhado) repetir a dose. Após a primeira 'traição', surge a auto-justificação para actos continuados.
Do ponto de vista das organizações, a fraude é um enorme risco, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo, nomeadamente aos níveis de ambiente organizacional, imagem/reputação e sustentabilidade a prazo). As estimativas apontam para cerca dos 10% de receitas para áreas como os impostos e os seguros de saúde ou automóvel.
Infelizmente ainda é observada uma atitude negligente, mesmo de auto-negação, de muitas organizações no que toca a este fenómeno endémico. Esta atitude tem resultados muito objectivos: a fraude também funciona em mercado; onde for mais 'lucrativo' e 'fácil' perpetrar fraude, é aí que tal irá acontecer. Ou seja, as organizações mais conscientes e activas na prevenção e combate à fraude irão empurrar este fenómeno para as organizações que tenham atitudes mais passivas e ineficazes em relação ao mesmo.
E as organizações mais inteligentes saberão, inclusive, aproveitar a pressão imposta pela fraude para identificarem zonas de risco e para se motivarem para melhorias contínuas dos seus processos (e resultados) de negócio. Passar de uma atitude de inobservância relativamente à fraude para uma postura que encare a fraude (ou melhor o seu combate) como um desafio e uma oportunidade de melhoria contínua é sinal de uma organização madura, voltada para a sua envolvente externa e orientada para um futuro de sustentabilidade e crescimento.
A chave para minimizar o risco de ocorrência de fraude está no entendimento das razões pelas quais esta ocorre, na identificação de áreas de negócio de risco, e na implementação de procedimentos e sistemas que visem reduzir a vulnerabilidade destas áreas.
As organizações devem utilizar uma mistura de meios para combater fraude, entre os quais se encontram a formulação de um Código de Ética e uma Política de Fraude formal e conhecida por todos, Auditorias, externas e internas, e Sistemas de Informação de Monitorização e Detecção de Fraude. Estes últimos são uma componente essencial, uma vez que permitem implementar soluções que utilizem a informação existente nas organizações para suportar o combate a este fenómeno de forma automática, consistente, dinâmica e adaptável no tempo às novas formas de fraude que sempre vão surgindo.
Sendo a fraude um fenómeno estrutural e inerente à sociedade, há que aproveitá-la, não ignorá-la. Esta diferença é apenas mais uma variável, se bem que da maior importância, por atacar directamente o bottom-line, na equação da competitividade e sustentabilidade do negócio.