Paulo Vasconcelos, Visão on line,
1. As Fundações são muitas vezes a principal fonte de financiamento para programas de desenvolvimento e investigação científica, assim como para a criação e apoio a infra-estruturas de saúde e de solidariedade social. Por seu lado, projectos de investigação financiados por uma Fundação adquirem elevado prestígio resultante da respeitabilidade que estas instituições detêm. A sociedade precisa e sai fortalecida com a atitude filantrópica guiada para o bem público.
Para rentabilizarem os seus fundos recorrem inevitavelmente às bolsas de valores.
2. Nos Estados Unidos da América um grande número de Fundações privadas registou perdas avultadíssimas com os investimentos realizados nos fundos de Bernard Madoff ("Bernie" para os amigos), tendo mesmo muitas encerrado. Entre as Fundações associadas ao Council on Foundations, 51 Fundações fecharam e 143 estão em grandes dificuldades (ver Jennifer Moore, The Chronicle of Philanthropy, 6 Maio 2009). Como sabe o caro leitor, Madoff foi acusado em 11 de Março de ter elaborado um esquema de Ponzi que teve como resultado perdas para os clientes na ordem dos 50 mil milhões de dólares americanos, estando agendada a sentença para 29 de Junho próximo, podendo enfrentar uma condenação de 150 anos de prisão.
Um esquema de Ponzi (Charles Ponzi tornou-se famoso por usar esta técnica após ter emigrado da Itália para os Estados Unidos, em 1903; não tendo sido o primeiro a inventar tal esquema, foi o mais notado em função da grande quantidade de dinheiro envolvida) é uma operação fraudulenta que proporciona aos investidores lucros anormais baseados no seu próprio dinheiro mas sobretudo no dinheiro dos investidores subsequentes. É habitual identificar-se aquele com um esquema de pirâmide, mas há diferenças. Naquele tipo de esquema, o promotor interage com todas os investidores directamente, enquanto que num esquema em pirâmide quem recruta novos participantes beneficia directamente desse facto e, em geral, explicita-se que o dinheiro novo será a fonte de pagamento dos investimentos iniciais. Como exemplo de um esquema de pirâmide temos o chamado jogo da roda, muito usado recentemente em Portugal.
O grande problema, e também característica, destes esquemas é a sua não sustentabilidade, sendo o segundo menos sustentável que o primeiro. Um esquema em pirâmide colapsa rapidamente pois requer o crescimento exponencial de participantes, enquanto que um esquema de Ponzi pode manter-se mais tempo compensando um número moderado de novas entradas com a persuasão dos investidores existentes a reinvestirem o seu dinheiro. Os investidores mais antigos obterão grandes lucros se deixarem o esquema antes deste implodir, e os mais recentes vão perder todo o seu investimento. A ganância e/ou a ignorância fazem com que muitas pessoas coloquem o seu dinheiro nestes esquemas, mesmo sabendo que se trata de uma fraude. Chamam-se esquemas a estes processos, e não estratégias de investimento, exactamente porque o seu progresso é insustentável, implodindo quando a retirada de dinheiro excede os depósitos ou quando interrompidos pela acção do regulador (o esquema criado por Charles Ponzi durou cerca de 18 meses).
O esquema de Madoff, no entanto, durou mais tempo do que esperado, sendo por isso considerado o maior esquema de Ponzi alguma vez implantado. Madoff de alguma forma conseguiu conter o crescimento exponencial necessário à sustentabilidade enquanto manteve a estabilidade do esquema. Se a captação contínua de novos investidores foi sendo conseguida pela áurea de exclusividade e respeitabilidade que detinha, a estabilidade foi sendo garantida com a incorporação de um conjunto de investidores seleccionados e fortes com a premissa de que não efectuariam grandes retiradas do dinheiro investido. Madoff ao conseguir oferecer os seus serviços a Fundações de caridade e de apoio à investigação científica jogou uma dupla cartada: obteve novos fundos e deu confiança à entrada de investidores privados (ver Mitchell Zuckoff, Fortune, 29 Dezembro de 2008).
3. O fundo de Madoff geriu a dotação de muitas Fundações e, por conseguinte, conduziu muitas delas ao encerramento. A Fundação Picower encerrou após 20 anos de actividade após ter distribuido mais de 268 milhões de dólares. Entre muitos apoios atribuídos a projectos de investigação nas áreas médica e da educação, a família Picower contribui com cerca de 50 milhões de dólares para a criação do Picower Institute for Learning and Memory, um instituto do Massachusetts Institute of Technology (ver Jennifer Couzin, Science, 2/01/2009: http://www.sciencemag.org/cgi/content/full/323/5910/25). A Fundação Justice, Equality, Human dignity, and Tolerance (ver notícias de 15/12/2008: http://www.jehtfoundation.org/news/), que apoiava em particular a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, encerrou também após o vendaval "Bernie". São exemplo de Fundações severamente lesadas, a Fundação Wunderkinder, mantida pelo famoso realizador Steven Spielberg e a Elie Wiesel Foundation for Humanity, estabelecida por Elie Wiesel, prémio Nobel da Paz (ver a declaração desta fundação: http://www.eliewieselfoundation.org/madofffraudstatement.aspx).
Em Portugal, o total da factura da fraude protagonizada por Bernard Madoff, independentemente do tipo de investidor, cifra-se em perto dos 100 milhões de euros (ver Diário de Notícias de 18 Dezembro 2008].
4. O sucedido mostra que uma fraude económica ultrapassa em muito o seu âmbito, repercutindo-se em múltiplas actividades sociais. Chama mais uma vez a atenção para a necessidade de constante vigilância e de uma supervisão agressiva por parte dos reguladores. O papel da comunicação social é também essencial.