João Pedro Martins, Jornal i
Portugal continua a ser um país de brandos costumes. Onde os ricos não pagam impostos. Onde o visto dourado permite a entrada de mafiosos e narcotraficantes
O diplomata escocês William Hamilton dizia que “A verdade é como uma tocha, quanto mais se agita mais brilha.” Aos poucos, as peças do puzzle começam a encaixar-se e alguns detalhes da megaburla do BES passam a ser do domínio público. Agora ficámos a saber que o Banco de Portugal e o governo (também de Portugal) só mexeram no BES e separaram o banco mau do banco bom, depois do ultimato imposto pelo Banco Central Europeu.
Ficámos a saber que o governador do BdP e o primeiro-ministro, que semanas antes iludiram os investidores quando falaram em solidez e almofada financeira do BES, continuariam a assobiar para o lado e nunca tomariam a iniciativa de fazer alguma coisa caso o BCE não tivesse dado um murro na mesa. Mais do que um banco bom, precisamos de um verdadeiro banco dos réus.
Na justiça europeia, o direito à vida é um direito inviolável. Ponto final. Mas se Ricardo Salgado e os seus comparsas vivessem num país islâmico há muito que teriam sido condenados pelo crime de adultério financeiro e seriam apedrejados até à morte. Em países onde a justiça pode implicar a pena de morte, o governador do Banco de Portugal e o próprio primeiro-ministro, para lá de se demitirem voluntariamente, poderiam ter de fazer contas à vida e prepararem-se para uma sessão de terapia da verdade ao ritmo da cadeira elétrica.
Mas Portugal continua a ser um país de brandos costumes. Onde os ricos não pagam impostos. Onde o visto dourado permite a entrada de mafiosos e narcotraficantes. Onde ser estrangeiro implica um voucher fiscal para comprar uma mansão no Algarve e beneficiar do não pagamento de impostos durante 10 anos, enquanto o contribuinte comum se esforça para pagar as prestações da casa e não consegue fugir ao pagamento do IMI. Onde qualquer multinacional ou milionário cria uma empresa-fantasma na zona franca da Madeira e usufrui de um bónus fiscal, enquanto os pequenos contribuintes e os pequenos empresários não conseguem fugir aos impostos, nem encontram um banco que lhes ofereça um perdão de juros, nem uma autoridade tributária que lhes conceda uma amnistia para os pecados fiscais, como aconteceu com o repatriamento de capitais de Ricardo Salgado e de outros ricos que não querem cumprir o seu dever de pagar impostos.
Aqui todos se safam. Ninguém vai preso. Ricardo Salgado, Jardim Gonçalves, Oliveira e Costa, João Rendeiro, são apenas alguns exemplos de banqueiros que jogaram com cartas viciadas, mas que continuam a viver principescamente sem que se faça justiça. Casos que prescrevem. Dinheiro não rastreado em offshores. Património blindado. No fim, eles ganham sempre.
Veja-se o caso do filho do ex-primeiro-ministro que abandonou o país para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. O Banco de Portugal contratou o jovem quadro por convite, criando uma exceção ao concurso público. Nesta terra, o tráfico de influências conta mais do que o mérito profissional.
Portugal está agrilhoado por uma elite corrupta que capturou a economia e o poder político. O país está eticamente a apodrecer. O cheiro nauseabundo a injustiça paira no ar. O odor de um cadáver em decomposição gera náuseas de desigualdade que se tornam difíceis de suportar.
Eles não conseguem enganar todas as pessoas durante todo o tempo. Eles não podem ganhar sempre. Eles não podem roubar sempre. A justiça tem de ser feita, nem que se tenha de rasgar algum colarinho branco.