António João Maia, Jornal i

 

É este sentimento de utilidade ao próximo que, a par do lucro, não se pode perder, nem deve ser subvertido

A recente crise bancária, cujos contornos são ainda pouco conhecidos, revela uma vez mais, tanto em Portugal como um pouco por todo o mundo ocidental, que o sistema económico e financeiro é uma enorme e complexa rede de vasos comunicantes, que tende a expandir-se em momentos de crescimento económico, mas que se revela vulnerável e exposto a desequilíbrios, como um frágil castelo de cartas, quando sopram as brisas da desconfiança e os ventos da recessão.

É verdade que os índices e os padrões médios de qualidade de vida associados a todo esse desenvolvimento económico e financeiro, nunca foram tão elevados como no presente! Mas também é verdade que as assimetrias entre ricos e pobres – entre os que têm e os que não têm acesso a esses padrões de bem-estar – parecem ser cada vez mais evidentes…

Este modelo de desenvolvimento económico, esta “economia de casino”, como alguns lhe chamam, em que, como jogadores compulsivos, se aposta tudo – o que se tem e até o que não se tem – na roleta que está a dar, permite, em caso de desfecho positivo, alcançar bons dividendos aos apostadores. Porém, quando as expectativas não se concretizam – quando a jogada não corre de feição –, a aposta traduz-se em perdas, as quais, alegadamente para manutenção do sistema – esta espécie de jogo – e da sua credibilidade, têm sido supridas com o auxílio do Estado, ou seja com o esforço de toda a sociedade. O modelo parece ter esquecido, ou pelo menos negligenciado, um elemento fundamental de qualquer estrutura de coesão social, económica e cultural, que é o bem comum, o interesse geral, a cooperação positiva, o dever servir a todos.

O elo perdido, como lhe chamo, parece ter dado lugar unicamente ao lucro…

O lucro não pode nem deve ser diabolizado. Ele é a força motivadora que impele os investidores na procura de novos produtos e mercados, para a satisfação de novas necessidades colectivas, para a melhoria dos índices de qualidade de vida e de bem-estar das pessoas. E é justamente esta noção de promoção do bem-estar coletivo que as forças do desenvolvimento económico não podem nunca perder de vista. Se a focagem se fizer só em função do lucro – e parece ter sido neste paradigma que a economia ocidental acabou por cair, e que a crise tem vindo a por a nu –, perde-se a noção do interesse geral, entra-se numa lógica de cegueira, os valores éticos são negligenciados, e, sobretudo quando as coisas correm menos bem, a sociedade no seu todo reduz os índices de confiança social e as pessoas tendem a sentir-se defraudadas, como vimos em “sociedade, regras, egoísmo e fraude” - http://www.ionline.pt/iopiniao/sociedade-regras-egoismo-fraude/pag/-1.

Ocorre-me a este propósito uma estória que aconteceu com colegas de profissão que têm estado em missão em Timor. Certo dia, querendo realizar uma grelhada, cruzaram-se na praia com uma mulher que vendia alguns peixes acabados de pescar e perguntaram-lhe qual o preço dos peixes. Ela mostrou alguma reserva e questionou se desejavam adquirir a totalidade dos peixes. Ao verificar que era esse o propósito, questionou-se sobre a impossibilidade de vender peixes a outras pessoas igualmente interessadas, o que deixou os meus colegas perplexos e a necessitar de outra argumentação para a convencer a vender-lhes todos os peixes, o que fez com alguns sinais de contragosto…

É este sentimento de utilidade ao próximo que, a par do lucro, não se pode perder, nem deve ser subvertido. O exemplo da peixeira de Timor é revelador desse lado humano da economia…