Fernando Costa Lima, Visão on line,

O mercado de capitais não é para PMEs

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Vem esta crónica a propósito de uma notícia sobre a falência da empresa Gowex, considerada até há algum tempo uma das estrelas mais brilhantes do Mercado Alternativo Bursátil (MAB) da Bolsas y Mercados Españoles (BME).

Tal como refere o respectivo site,

“o MAB é um mercado dedicado a empresas de reduzida capitalização que procuram expandir-se, com uma regulação à medida, desenhada especificamente para elas e com custos e processos adaptados às suas características. A capacidade de desenhar as coisas à medida é o que caracteriza este mercado alternativo. (…) Esta flexibilidade implica adaptar todos os procedimentos existentes para que estas empresas possam negociar num mercado mas sem renunciar a um adequado nível de transparência. Para tal introduziu-se uma figura inovadora, o assessor registrado, cuja missão é ajudar as empresas a cumprir os requisitos de informação.” (1)

No campo dos princípios parece uma solução fantástica para levar o mercado de capitais às PMEs.

Voltemos à empresa Gowex. No espaço de um ano e meio a cotação da empresa foi multiplicada por cerca de 5 vezes. Recentemente, em dois dias apenas, a cotação caiu cerca de 60%. Tal queda parece ter sido justificada pela publicação de uma nota de research que, para além de fixar um price target de €0,00, dizia que 90% das receitas da empresa não existiam, entre outras afirmações. Referia ainda que a empresa pagava apenas uma fracção dos honorários de auditoria habitualmente pagos por empresas de dimensão equivalente e que a firma de auditoria era pouco conhecida, não tinha escritórios adequados e não tinha endereço de correio electrónico empresarial. (2)

A empresa reagiu violentamente dizendo que as afirmações em causa eram “categoricamente falsas”.

Passado algum tempo, o fundador da empresa veio admitir que falsificou as contas e a empresa declarou falência.

O que podemos concluir de tudo isto é que um analista financeiro parece ter visto muito mais que o assessor registrado, cujas obrigações passam por “rever a informação apresentada pela empresa durante o processo de admissão à negociação e subsequentemente” e estar “disponível para responder a questões levantadas pelo MAB em relação à entidade emitente, à sua actividade, compliance, etc.” (3).

O aparecimento dos ditos “mercados alternativos” tem sido mais ou menos recorrente ao longo das últimas décadas, por razões e circunstâncias distintas. Houve épocas em que a justificação tinha a ver com uma procura de acções muito superior à oferta (mercado sobreaquecido). Mais recentemente o populismo das autoridades (Comissão Europeia incluída que quer também um mercado de capitais para as PMEs, que supostamente não conseguem aceder ao crédito bancário (!)) aliado à necessidade de aumentar o negócio para entidades gestoras de mercados (entidades com fins lucrativos) fez aparecer mais mercados alternativos ou levou responsáveis a afirmar que é necessário facilitar o acesso das PMEs ao mercado de capitais.

Os acontecimentos mais recentes têm demonstrado que mesmo grandes empresas, recheadas de auditores de renome internacional, de departamentos de compliance e de controlo de risco e um número infindável de órgãos de fiscalização e auditoria conseguem andar semestres a fio a falsificar contas (em próxima crónica, assim que assentar a poeira e diminuir o ruído, voltarei a este tema e ao papel da supervisão e seus métodos).

É por estas razões que acho que, para as PMEs poderem estar no mercado de capitais deviam ter obrigações de informação, em suma de transparência, mais fortes, mais rigorosas e melhor fiscalizadas. Mas isto traria custos desproporcionados que não fazem sentido. Por isso concluí, já há muito tempo, que o mercado de capitais não é para PMEs.

 

NOTAS:
(1)  Inhttp://www.bolsasymercados.es/mab/esp/marcos.htm acedido a 6 de Agosto de 2014; tradução e sublinhados do autor.
(2) Ver notícia “WiFi provider Gowex goes bankrupt and admits falsifying accounts”, de 7 de Julho de 2014 in www.ft.com, acedido a 6 de Agosto de 2014.
(3) Inhttp://www.bolsasymercados.es/mab/esp/marcos.htm acedido a 6 de Agosto de 2014; tradução do autor.