Fernando Costa Lima, Visão on line,

Os recentes acontecimentos nos mercados financeiros internacionais têm levantado muitas questões, com especial destaque para o papel da regulação financeira e dos reguladores.
Sempre que surge uma crise mais grave ou um escândalo financeiro com maior peso, assistimos sempre à criação de uma comissão de inquérito, que procura o competente bode expiatório e que, quase sem excepção, propõe pelo menos mais uma lei que vai evitar todos os problemas futuros.
Assim foi com o BCCI, o Barings, a Enron para nomear apenas os mais mediáticos.

 Um dos exemplos mais recentes, na sequência do caso Enron, é a lei Sarbanes-Oxley (Public Company Accounting Reform and Investor Protection Act of 2002) cujo principal objectivo era "melhorar a independência dos auditores, a fixação da responsabilidade na preparação das demonstrações financeiras e melhorar os padrões dos relatórios dos conselhos de administração de todas as sociedades abertas americanas". Esta lei deu inclusivamente origem a uma nova instituição para fiscalizar a sua aplicação (Public Company Accounting Oversight Board).
Esta lei resolveu de facto os problemas que procurou afrontar ou foi mais um peso burocrático (e um custo) sobre os 99,99% de empresas e pessoas honestas que tiveram de passar a cumprir as suas pesadas exigências?
O CEO da Sun Microsystems, Scott McNealy, chamou a esta lei, que procura evitar futuras Enrons e outros maus comportamentos empresariais, um desastre. Disse ainda que consome tanto tempo e é tão burocrática que é como atirar "baldes de areia para cima das engrenagens da economia de mercado" (In Usa Today, 19 de Outubro de 2003).
A lei Sarbanes-Oxley não evitou a recente crise do subprime e muito sinceramente, não acredito que lei alguma, só por si, venha a evitar situações como a que vivemos actualmente. Há sempre formas de as pessoas desonestas encontrarem buracos nas leis.
Então podemos perguntar: a defesa dos interesses dos investidores e a estabilidade dos mercados financeiros exigem mais leis, exigem mais regulação? Vamos procurar uma resposta pontual a cada problema que surge?
Ou precisamos de uma forma diferente de fazer regulação, de uma forma diferente de olhar a supervisão dos mercados e dos seus agentes?
Em 22 de Junho de 1999, o site BBC News, a propósito do caso Barings, citava o editor da Futures and Options Week, Neil Wilson: "Pode acontecer outra vez porque os incentivos são os mesmos, se não maiores. Os ganhos são muito grandes e isso é uma tentação para as pessoas."
Numa conferência sobre a União Monetária Europeia, Linda Davies, a famosa escritora de "novelas financeiras" dizia: "No mundo financeiro, risco, retorno e desastre são ciclos que se repetem todas as gerações. A ganância, o atrevimento e as flutuações sistémicas deram-nos a "bolha" da South Sea, o Barings, Bre-X, a Mania das Tulipas, para nomear apenas alguns dos milhares de exemplos disponíveis. (...) A natureza humana não mudou, mas o espaço para a destruição financeira aumentou dramaticamente com a interdependência dos mercados financeiros guiada pela tecnologia, com o tamanho crescente das transacções e com o advento dos mercados de derivados. Banqueiros que contratam génios famintos de dinheiro não deviam mostrar surpresa ou espanto quando alguns deles aparecem com formas brilhantes, criativas e ilegais de fazer dinheiro."
Tudo isto para concluirmos que na essência dos problemas está quase sempre a existência de conflitos de interesses mal resolvidos e acima de tudo, a maioria das vezes, mal acompanhados, mal controlados, mal vigiados.
A título de exemplo:
* No caso Enron, os executivos de topo receberam 744 milhões de dólares em remunerações e acções no ano anterior ao da falência e os auditores recebiam mais em fees de consultoria do que em fees de auditoria, na presença clara de conflitos de interesses mal resolvidos e mal vigiado;
* No caso actual do subprime, os conflitos de interesses mal acompanhados estavam lá, já que as enormes compensações recebidas pelos executivos dos principais bancos de investimento levaram-nos a correr riscos excessivos, nomeadamente em termos de sobreendividamento. Como escreveu Shawn Tully "...uma parte desproporcionada dos lucros vai para os executivos e traders quando o ano é bom - ou antes, quando a empresa tem sorte - deixando os accionistas com muito menos património quando os mercados se afundam." ("What´s wrong with Wall Street and how to fix it", Fortune, 14 de Abril de 2008)
Em conclusão, penso que não são mais leis, mais regulamentos e mais exigências de relatórios e montanhas de informação a enviar aos reguladores que vão evitar os desastres. Os reguladores devem procurar, isso sim, as zonas e os focos potenciais de conflitos de interesses e, com a autoridade e os poderes que lhes estão conferidos, obrigar a implantação de medidas e mecanismos de resolução e acompanhamento eficazes desses conflitos de interesses.