Maria do Céu Ribeiro, Visão on line,
Necessita-se auditores contabilistas, fiscalistas, sociólogos, filósofos, criminólogos, especialistas em IT e em investigação forense.
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“Cinco princípios [sobre a fraude]:
- A fraude foge aos controlos
- O erro é a mãe da fraude
- O Homem nasce naturalmente mau, o auditor torna-o bom
- Por grandes que sejam os auditores, eles são o que nós somos, e podem ser utilizados como todos os homens.
- «No meio está a virtude»” (1)
Muito haveria a escrever sobre cada um destes princípios. Destaco o terceiro (que um qualquer auditor certamente acolherá com um sorriso) e o quarto. “Se o auditor torna bom o homem mau”, tal só pode significar que há auditores maus e auditores bons. Os bons tornam os clientes bons, os maus ou o não recurso a auditoria justificariam os casos de fraude e seria tudo tão fácil de resolver.
A auditoria como meio de garantir a “veracidade” da informação relatada surge pela primeira vez na Europa no século XIX após a revolução industrial, tendo-se desenvolvido com o aparecimento das sociedades anónimas e do mercado de capitais. Hoje é sinónimo de informação credível ou pelo menos mais credível do que a não-auditada.
Existe uma opinião enraizada por parte da opinião pública e da imprensa, entenda-se todos nós, de que a auditoria desempenhou mal o seu papel quando uma determinada fraude não foi previamente descoberta ou comunicada pelo auditor. Diferença de expectativa associada aos objetivos, ao valor ou à natureza da auditoria ou não, o que é certo, é que tais escândalos levaram quase sempre à demissão do auditor (ou consequências ainda mais graves, entre as quais, colapso e falência da auditora). A auditoria não está a responder às expectativas da sociedade. Surge um escândalo financeiro e questiona-se onde estavam os auditores, se emitiram uma opinião “limpa”, isto é, sem reservas. Segurança “aceitável” contra a fraude? A mensagem é quase sempre mal interpretada e “aceitável” passa a “absoluta”.
Apesar da constante evolução da auditoria com vista a adaptar-se às necessidades dos utilizadores e da sociedade em geral, esta incutiu-lhe um papel de “cão de caça” no âmbito da sua responsabilidade social em “tornar o homem naturalmente mau, num homem bom”.
A como interagir com o mercado e transmitir a uma panóplia de utilizadores de informação financeira a complexidade e dificuldade em cumprir com a tarefa de deteção de fraude por parte do auditor, a União Europeia responde na recentemente aprovada “reforma da auditoria” com exigências adicionais no relatório de auditoria, de per si já demasiado técnico e “indecifrável” para a maioria dos leitores, obrigando à divulgação dos riscos de distorção material devido à fraude, da resposta do auditor a esses riscos e à inclusão de como a auditoria foi considerada eficaz na deteção da fraude. Esta terminologia, que continua complexa e incompreensível, não irá, por certo, ajudar a sociedade a aceitar a negação da responsabilidade primária do auditor na deteção da fraude, nem elucidar os leitores para a dificuldade de garantir a plenitude do que quer que seja, para os contornos e o aguçar das técnicas fraudulentas que escapam à teia dos procedimentos de auditoria e dos controlos instituídos, até numa perspetiva de “materialmente relevante” atrás da qual o auditor se refugia.
“Os auditores podem ser “utilizados como todos os homens”, há por isso que garantir a sua independência. Um auditor independente não cede a pressões e não há qualquer tipo de influência no conteúdo do relatório e na busca da “aceitável segurança” sobre as demonstrações financeiras ou sobre os procedimentos de controlo interno, seja qual for o cliente e o seu peso no total da sua carteira. As instituições representantes dos auditores e as entidades reguladoras estabelecem, para isso, normas rígidas no controlo de qualidade efetuado, em especial no tocante à independência do auditor.
No sentido de reforçar a credibilidade da informação auditada, a mesma “reforma da auditoria” na União Europeia tornou obrigatória a rotação dos auditores para as “sociedades de interesse público”, assim como a proibição quase total de prestação de serviços “distintos da auditoria” em diversas áreas aos clientes auditados. Um enfoque no princípio da independência do auditor no sentido de evitar que “possa ser utilizado como qualquer outro homem”.
Muito se tem escrito sobre a necessidade de criação de equipas multidisciplinares de auditores e sujeição das “sociedades de interesse público” a auditorias especializadas na deteção (e prevenção) da fraude (Auditoria da Fraude). Esta “reforma” foca-se essencialmente no princípio da independência do auditor através de uma clara monitorização da elevada concentração no mercado da auditoria, tentando torná-lo mais concorrencial. A necessária complementaridade das várias áreas do saber que a auditoria cada vez mais necessita desde a auditoria às ciências forenses para a deteção da fraude continua a ser um desafio para a profissão.
Necessita-se auditores contabilistas, fiscalistas, sociólogos, filósofos, criminólogos, especialistas em IT e em investigação forense. Estará a sociedade interessada e capaz de os utilizar?
(1) Pons, Noël & Valérie Berche. 2009. Arnaques. Le Manuel Anti-fraude. Paris: CNRS Editions. Pág. 126/7)