Óscar Afonso, Jornal i

Os moralistas, sob a capa protectora de instituições assentes em preceitos acima de qualquer suspeita, recorrem sem pudor ao boato para insinuar que os outros são corruptos e incompetentes

Na crónica de hoje decidi aventurar-me e falar sobre a minha percepção quanto a relação entre a ética e a política, na sequência do que tenho observado em actos eleitorais. Reconheço que, sendo oriundo de uma família típica transmontana, a minha formação de berço é rural, sou um cidadão simples e a minha percepção das coisas está naturalmente condicionada por isso.

O que eu vi/vejo então? Que a exigência por moralidade na política, pela necessidade de ética na política, parece ser apenas exigível aos outros. Que os ditos moralistas, geralmente sob a “capa” protectora de frequência de instituições assentes em preceitos dogmáticos, ritos e crenças (supostamente) acima de qualquer suspeita, recorrem sem pudor ao boato para insinuar que os outros são corruptos e incompetentes. Comentam melosamente cada acto dos outros, geralmente num contexto desfigurado da realidade, para que o normal pareça um escândalo. Não interessam as ideias, o que se fez ou o que se deseja fazer. O importante é o bota-abaixo, o calculismo, a maledicência, a crítica destrutiva e desmoralizar o adversário. O relevante é criar uma sensação permanente de tensão, gerar constrangimentos, fomentar incompatibilizações e desestabilizar os eleitores, sob o pretexto, imagine-se, do combate à suposta corrupção e à imposição de ética na política. Tudo feito de forma pouco frontal e, portanto, cobarde.

Obviamente que esse procedimento não tem nada a ver com interesse pela moralidade pública, nem com ética na e da política. Face a isso, não possuem adversários. Os outros são inimigos. Deixa de haver combate de ideias e passa a haver ataques pessoais. É o entendimento da política sem política, por mais paradoxal que isso possa parecer. É a imposição de uma concepção da política virtual que oferece um produto vazio da sua substância. É o toma lá dá cá da política. É, sem que pareça, a anti-democracia. É o esvaziamento da ética no sentido pleno da palavra. É o desejo de uma democracia do consenso imposto pelo pensamento único determinado pelos senhores do oligopólio do sistema, que não suportam a ideia de perda do poder e procuram a qualquer preço a manutenção do domínio acumulado e a consagração, e não a paixão lúcida pelos outros, pelo bem público e por causas consequentes.

Mas então pergunto eu: não foi o próprio Papa Francisco que recordou ser obrigação de todos o envolvimento na política?

A meu ver, a compreensão da ética na e da política exige o uso da razão de quem está munido de autonomia suficiente para julgar o certo e o errado. Para isso, de modo a que os indivíduos tenham a oportunidade de formar a sua própria opinião, a necessidade de informação é premente. Daí que a liberdade de expressão e o acesso a toda a informação sejam tão determinantes em democracia. Neste sentido, é a ética no sentido pleno da palavra que acaba por ser colocada em causa quando há impedimento da liberdade de informação.

Com liberdade “pura” e ética tudo seria naturalmente diferente. A democracia seria participada, as disputas seriam coerentes, sem submissões e com convicções entre adversários, servindo valores e ideias, e com respeito pela humanidade e pela coerência de todos. Na sua ausência resta não desistir, resistir, acreditar, ser forte e firme e, sobretudo, não ter medo de nada, nem sequer de humilhações ou derrotas.